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Reunião de cúpula para tratar da guerra na Ucrânia reuniu representantes de quase 100 países em junho.
Reunião de cúpula para tratar da guerra na Ucrânia reuniu representantes de quase 100 países em junho.| Foto: Urs Flueller/EFE/EPA/Pool

Uma reunião de cúpula que contou com a participação de quase 100 países entre sexta-feira e domingo, na cidade suíça de Bürgenstock, terminou com uma declaração que enumera os princípios básicos sobre os quais devem ser construídas as negociações de paz que ponham um fim à guerra na Ucrânia. Sem nenhuma exorbitância ou absurdo, dezenas de nações entraram em acordo sobre aquilo que, no fim das contas, já está previsto no Direito Internacional e sem o qual não se pode pretender nenhum tipo de avanço civilizacional. O Brasil, entretanto, escolheu mais uma vez o lado errado, o dos autocratas, dos ditadores e dos valentões.

A declaração faz um apelo pela “segurança nuclear”, tanto pela recusa do uso de armas nucleares por parte da Rússia quanto pelo cuidado com as instalações nucleares ucranianas, como a usina de Zaporizhzhia, atualmente em território dominado pelas forças russas. Pede, ainda, a garantia de livre navegação no Mar Negro, especialmente em relação ao transporte de alimentos. Faz um apelo para a libertação de prisioneiros de guerra e pela devolução das crianças ucranianas sequestradas e levadas ilegalmente para a Rússia. E, por fim, defende o respeito à integridade territorial ucraniana como condição prévia a qualquer negociação de paz.

Não contente em enviar uma “sub do sub do sub” à reunião de cúpula sobre a guerra na Ucrânia, o Brasil rebaixou-se ainda mais ao não assinar a declaração final

São demandas perfeitamente razoáveis, e nem é preciso raciocinar demais para perceber o perigo para todo o planeta representado por uma escalada nuclear, ou pelo desabastecimento súbito de grãos; também é bastante evidente que a deportação de crianças é crime de guerra; e que os territórios invadidos pertencem à Ucrânia, e não à Rússia, e não podem simplesmente ser tomados porque um ditador com maior poder de fogo assim o deseja. O ditador, aliás, já deixou claro que ao menos o último item é inegociável para ele. No mesmo dia em que começava a reunião de cúpula na Suíça, Vladimir Putin afirmou que só pretende iniciar conversações de paz se a Ucrânia se comprometer a não aderir à Otan e se entregar à Rússia todo o território das regiões ucranianas de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhzhia – inclusive as áreas que não estão sob domínio russo.

Isso nada mais seria que a legitimação da “paz dos valentões”, a aceitação explícita do uso da força em vez da diplomacia para resolver quaisquer controvérsias. Que diferença há entre a exigência de Putin e o vergonhoso Acordo de Munique, em setembro de 1938? Naquela ocasião, as potências europeias concordaram em pressionar a Tchecoslováquia a entregar a Hitler a região dos Sudetos, avalizando uma invasão que os alemães já haviam iniciado e dando ao nazista território tcheco que nem havia sido militarmente conquistado. “Paz para os nossos tempos”, celebrou o primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain, acreditando que a Alemanha encerraria ali suas ambições territoriais – o resto, como todos sabem, é história. História que Putin conhece bem, porque já a viu se repetir com a pusilanimidade ocidental diante da invasão e anexação ilegal, em 2014, de outro território ucraniano: a península da Crimeia.

E o Brasil, outrora respeitado internacionalmente pela sensatez de sua diplomacia, escolheu o lado dos valentões. O país participou da reunião na Suíça, mas deixou evidente seu desprezo pelo evento. Os Estados Unidos mandaram a vice-presidente Kamala Harris, e várias nações europeias enviaram seus chefes de Estado ou de governo – como o presidente francês, Emmanuel Macron; o chanceler alemão, Olaf Scholz; e os primeiros-ministros Rishi Sunak (Reino Unido), Giorgia Meloni (Itália) e Pedro Sánchez (Espanha). Presidentes sul-americanos também estiveram presidentes: o argentino Javier Milei, o equatoriano Daniel Noboa e esquerdistas como o chileno Gabriel Boric e o colombiano Gustavo Petro. Mesmo países mais alinhados à Rússia, como a Hungria, ao menos enviaram seus chanceleres. Mas o Brasil se contentou em mandar a embaixadora do país na Suíça. Isso apesar de Lula ter acabado de participar, como convidado, da reunião do G7 na Itália e de ter inclusive cumprido agenda na Suíça, em reunião da Organização Internacional do Trabalho. Teria sido simples ao brasileiro estar no encontro pela paz na Ucrânia – do qual participaram muitos dos que estiveram com ele no encontro do G7. Esnobar a cúpula foi uma escolha deliberada.

Não contente em enviar uma “sub do sub do sub” – para usar a expressão com que Lula, em 2002, se referiu ao então representante comercial dos Estados Unidos –, o Brasil rebaixou-se ainda mais ao não assinar a declaração final. Com isso, escolheu o lado da Rússia, de seus parceiros de Brics e das autocracias em geral, e abriu mão dos “princípios que nos uniram hoje como nações civilizadas”, como afirmou o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, em entrevista ao fim do encontro, referindo-se nominalmente a Brasil e China (que não enviou representantes à Suíça). Uma escolha de palavras certeira, pois não se trata de um antagonismo entre esquerda e direita – a declaração foi assinada por vários países governados pela esquerda, como Espanha, Canadá e Chile –, mas de escolher entre a civilização e o porrete, entre vítima e agressor.

A união das democracias ocidentais em torno da causa ucraniana, é verdade, não basta para encerrar o conflito – e talvez não baste nem para trazer Putin à mesa de negociação, já que a Rússia tem muitos aliados que ajudam o país a contornar as sanções ocidentais. Mas não há como aceitar uma repetição de Munique ou da Crimeia sem colocar o mundo todo em perigo. Expansionistas grandes e pequenos olham para a guerra na expectativa de descobrir se poderão ou não seguir os passos de Putin. De Taiwan ao Essequibo, os que vivem em territórios reivindicados se perguntam se serão os próximos a sofrer com uma invasão. Apoiar a Ucrânia é vital, e talvez poucas vezes na história tenha sido tão fácil escolher o lado certo – mas o Brasil de Lula jamais pode ser subestimado em sua capacidade de errar.

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