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Com direito a Hino Nacional entoado por Maria Bethânia, afabilidades e indiretas, o ministro Luís Roberto Barroso foi empossado presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) na última quinta (28), assumindo o lugar deixado por Rosa Weber. Ao menos pelos próximos dois anos, caberá a Barroso a condução da corte máxima brasileira, tão marcada por decisões controversas e alvo das críticas – em boa parte justas – de cometer ações abusivas, ativismo judicial e intromissão nos demais Poderes.
Em seu discurso de posse – acompanhado por dezenas de autoridades, incluindo um Lula debilitado que, mesmo estando prestes a passar por uma cirurgia delicada, fez questão de marcar presença, além dos atuais presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco –, o novo presidente do STF fez um chamado à moderação e a harmonia entre os Poderes, o que é positivo. O ministro do STF foi claro ao dizer ser “imperativo que o tribunal aja com autocontenção e em diálogo com os outros Poderes e a sociedade”, e que nenhum dos Três Poderes pode ser hegemônico em relação aos outros; que a independência entre Executivo, Legislativo e Judiciário deve ser garantida para uma convivência pacífica. Nada mais correto.
Seria realmente proveitoso para o país se o novo presidente do Supremo pudesse trabalhar ativamente para que o STF retomasse seu funcionamento normal, sem alardes, sem ativismos.
De fato, temos assistido o STF avançando cada vez mais sobre áreas que não lhe dizem respeito, ultrapassando em muito o que se poderia chamar de uma atuação contida. E a relação do STF com os demais Poderes há tempos está longe de ser pacífica ou harmônica. Se hoje, com Lula na Presidência, o relacionamento entre o Supremo e o Executivo parece ser o de troca de gentilezas e elogios, ao menos durante o mandato de Jair Bolsonaro o STF se colocou em rota de colisão com as decisões presidenciais. Dezenas de decretos e Medidas Provisórias instituídas por Bolsonaro foram alvo de questionamentos no STF, e várias acabaram derrubadas pela corte.
No Legislativo, mesmo que os presidentes da Câmara e do Senado continuem insistindo que não há nada de errado, há tempos o STF tem mostrado que não vê obstáculo algum em atropelar as decisões legislativas. Só recentemente, depois de muito tempo de marasmo, os parlamentares parecem ter acordado, prometendo colocar freios aos avanços do STF. Por se tratar de um movimento recente, não se sabe ao certo até onde vai a disposição do Congresso em levar essa revolta adiante; ainda assim, é um sinal de que a “convivência pacífica” apregoada por Barroso está longe de ser realidade.
Uma corte não deveria querer tomar para si o papel de “empurrar a história” na direção que acha ser a correta.
Por tudo isso seria realmente proveitoso para o país se o novo presidente do Supremo pudesse trabalhar ativamente para que o STF retomasse seu funcionamento normal, sem alardes, sem ativismos, sem querer tomar a frente do palco em questões que excedem sua competência. Mas não há indícios fortes de que isso será alcançado com Barroso, que no passado recente já se declarou como paladino do combate ao bolsonarismo, e defendeu abertamente que cabe ao Judiciário e não ao Legislativo decidir sobre o aborto, pois se trataria de uma questão onde “a autonomia individual da mulher é um direito fundamental em jogo”.
Logo no inicio de seu discurso, junto a um longo elogio a sua antecessora, Rosa Weber, o presidente do STF falou em dar continuidade do trabalho da agora ministra aposentada, e trabalhar pela proteção do “direito das minorias”. Declarou, ainda, ser dever do STF proteger os direitos fundamentais e que, “nessa matéria, temos procurado empurrar a história na direção certa”. Em outro trecho, mencionou a necessidade de melhorar a comunicação do tribunal com a sociedade para explicar “em linguagem simples” o papel da corte e desfazer “incompreensões e mal-entendidos”. Afirmou ainda que “a virtude de um tribunal jamais poderá ser medida em uma pesquisa de opinião”.
São frases reveladoras. Uma corte não deveria querer tomar para si o papel de “empurrar a história” na direção que acha ser a correta. Ao Judiciário, do qual o STF é o tribunal mais importante, não cabe direcionar os rumos do país em nenhum sentido, mas apenas obedecer à Constituição e aplicar a legislação existente. O afã de tentar “direcionar a história” tem sido justamente um dos principais problemas do Supremo, que tem se achado na obrigação de legislar sobre tudo, atropelando o essencial debate público, tratorando a Constituição e os demais Poderes, se necessário, para dar lugar às suas visões de mundo. Igualmente, o presidente do STF não deveria ver a justa indignação da população com o desempenho da corte como um mero problema de “incompreensão” ou “mal entendido”, como se as decisões do tribunal estivessem acima de crítica. Por mais empolada que possa ser a linguagem de seus ministros, a população sabe bem o que acontece no STF e se critica as decisões e posturas da corte, o faz por perceber que há algo errado e não por mera ignorância.
Enquanto os ministros do STF mantiverem posturas com pouca ou nenhuma humildade, considerando-se quase como uma aristocracia a quem cabe, de fato, conduzir os rumos do país, continuaremos a ter o mesmo Supremo problemático dos últimos anos. Por isso vem a calhar que ao final de seu discurso de posse Barroso tenha mencionado exatamente essa virtude. Que ele consiga atuar, com uma conversão difícil de imaginar possível, da mesma forma como enfatizou ao final de seu discurso, “com valores, com empatia, com bom humor sempre que possível e, sobretudo, com humildade” e como um “servidor da Constituição”. O país todo e a democracia teriam tudo a ganhar.