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Editorial

O técnico e os políticos

Senado
Ministros do governo e presidente do Banco Central ficaram frente a frente para discutir taxa de juros, inflação e políticas econômicas. (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, esteve duas vezes no Senado na última semana, com uma missão árdua: oferecer argumentos técnicos para explicar a políticos imediatistas que não há como reduzir os juros na canetada, pois fazê-lo apenas pioraria um cenário econômico que já é frágil, com inflação ainda em níveis preocupantes. “Se fosse fácil resolver problemas com canetada, já teríamos feito”, afirmou ele na terça-feira, dia 25, durante audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado – dois dias depois, Campos Neto participou de sessão da casa ao lado dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet.

Campos Neto não nega, nem por um minuto, que os atuais 13,75% da Selic não são uma taxa de juros baixa ou ideal. Pelo contrário: o presidente do BC reconhece que os juros estão altos, e tem plena consciência de que uma Selic neste patamar acaba desacelerando a atividade econômica – é justamente este o cerne das críticas feitas pela esquerda, a começar pelo presidente Lula, e que agora são ecoadas até por aliados de ocasião como o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que no dia 20 cobrou de Campos Neto uma redução “imediata” dos juros. Falando durante evento em Londres, Pacheco mencionou a necessidade de “base empírica e técnica, mas também de uma sensibilidade política” para reduzir os juros – uma combinação impossível, nas condições atuais.

O que a classe política não consegue ou não quer entender é que juros altos são consequência, não causa

Afinal, o que a “sensibilidade política” anda pedindo é justamente a canetada, e Campos Neto mostrou, falando na CAE, que ela não funciona. “Se fizermos uma queda de juros artificial, vai se passar a mensagem de que a remuneração não está adequada ao risco. As pessoas iam investir em outro lugar, o real iria desvalorizar, e ia começar um processo de expectativas crescentes de inflação”, explicou, citando o caso argentino – embora Campos Neto pudesse também ter lembrado a passagem de seu antecessor Alexandre Tombini, em cuja gestão houve um ciclo de redução artificial dos juros, por pressão da então presidente Dilma Rousseff, e que logo precisou ser revertido por se mostrar insustentável.

O que a classe política não consegue ou não quer entender é que juros altos são consequência, não causa. O senador Cid Gomes (PDT-CE) demonstrou isso na CAE, ao argumentar que a Selic elevava os juros pagos pelo governo, dificultando a administração da dívida pública. Ao completar sua explicação dando ao presidente do BC um boné de um banco privado, Gomes julgou ter uma retroescavadeira retórica em mãos, mas tinha apenas um brinquedinho: Campos Neto respondeu a ele afirmando que a relação é exatamente a inversa: é endividamento descontrolado que causa a elevação dos juros, que também sobem quando a inflação está fora do controle e quando o governo adota políticas fiscais irresponsáveis.

O mesmo ocorreu durante a sessão de quinta-feira no Senado, quando Haddad se defendeu dizendo que tem “tomado medidas impopulares, mas são medidas que justamente saneiam as contas para permitir um horizonte de planejamento maior”. Difícil falar em “saneamento” quando praticamente todas as medidas recentes atuam no sentido de elevar receitas e colocar mais dinheiro nos cofres do governo, sem que haja um esforço mínimo em cortar substancialmente as despesas, os desperdícios, as imoralidades e privilégios. A própria Simone Tebet afirmou recentemente que o arcabouço fiscal proposto não tinha o objetivo de cortar gastos, e que isso viria depois. Ora, ninguém pode dizer que arrecada pouco um governo que tira um terço de tudo o que o país produz; o problema não é este, e sim o fato de esse mesmo governo gastar muito mais que esse um terço. Sem atacar a despesa, a consequência será o “fiasco”, como alertou o ex-presidente do BC Armínio Fraga, que também participou da sessão de quinta no Senado.

“Não se consegue estabilidade social com inflação descontrolada”, disse Campos Neto no Senado, na quinta-feira. Inflação alta é fatal para os pobres, que não têm como se defender da perda no poder de compra, e é fatal para o empresário, incapaz de fazer planejamentos de longo e até médio prazo. Os ministros falam em trabalho conjunto, mas não querem dizer com isso que o governo precisa atuar com mais firmeza no ajuste fiscal para não deixar o BC sozinho no combate à inflação; pelo contrário, eles dão a entender que é o BC que teria de se adequar às políticas do governo. Nessa toada, e a julgar por outras repercussões das duas idas de Campos Neto ao Senado, o técnico continuará pregando no deserto.

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