Décadas atrás, o Brasil fez uma opção crucial em relação à sua infraestrutura de transporte: privilegiar o modal rodoviário, enquanto outras modalidades de transporte ficaram relegadas a um relativo esquecimento – caso das ferrovias, cuja malha atual é a mesma de 100 anos atrás, ou da navegação de cabotagem. No entanto, mesmo gozando da preferência dos gestores em todos os níveis, as rodovias brasileiras estão longe do ideal em quantidade e qualidade. O país tem 25,1 quilômetros de rodovias pavimentadas para cada mil quilômetros quadrados de área, muito menos que Estados Unidos (437,8 km/mil km2) e Austrália (94 km/mil km2). Antes que alguém afirme que se trata de países ricos, o Brasil perde também para outros países sul-americanos, como Uruguai, Argentina e Equador (43,9, 42,3 e 31,4 km/mil km2 respectivamente). Este é apenas um dos dados da mais recente Pesquisa CNT de Rodovias, divulgada em meados de novembro pela Confederação Nacional do Transporte.
Como fazem anualmente, os especialistas da CNT percorrem mais de 100 mil quilômetros de rodovias pavimentadas em todo o país: este ano, foram 111.853 km, sendo 67.835 km em rodovias federais e 44.018 em estradas estaduais. A extensão representa pouco mais da metade de todas as estradas pavimentadas do país – que, por sua vez, são apenas 12,4% de toda a malha rodoviária brasileira, um indicador de sua precariedade. Os critérios avaliados incluem qualidade do pavimento, sinalização (como placas à beira da pista e as faixas pintadas no asfalto) e geometria da pista (acostamentos, faixas adicionais, pontes e viadutos, inclinação em locais como curvas). E as mudanças em relação ao relatório de 2023 foram mínimas: a parcela da malha considerada “ótima” caiu de 7,9% para 7,5%, enquanto as estradas “boas” agora são 25,5%, contra 24,6% do ano passado. Aquelas classificadas como “regulares” (que, nos critérios da CNT, “estão à beira de uma deterioração mais severa”) também diminuíram, de 41,4% para 40,4%. As estradas “ruins” passaram de 20,3% para 20,8%, e a malha considerada “péssima” permaneceu em 5,8%. O quesito em que a malha brasileira como um todo está melhor é o do pavimento, com 43,1% de “ótimo” e “bom”; na ponta oposta, 39,9% da extensão pesquisada tem geometria “ruim” ou “péssima”.
Diante dos dados levantados pela CNT, é uma obviedade gritante a necessidade de reforçar a participação privada na gestão das estradas
Já há muitos anos se sabe (e quem circula habitualmente pelas estradas brasileiras o sente na pele) que as rodovias sob gestão privada estão muito melhores que as estradas administradas pelo governo federal, estados ou municípios. A pesquisa da CNT reforça essa verdade, mas ainda assim traz um alerta: se na edição de 2023 os trechos sob gestão privada considerados “ótimos” ou “bons” eram 64,1% do total de rodovias concedidas avaliadas, neste ano a porcentagem caiu para 63,1%, enquanto os trechos “ruins” ou “péssimos” subiram de 4,4% no ano passado para 6,1% este ano. A título de comparação, na pesquisa deste ano 22,7% da malha sob gestão estatal é “ótima” ou “boa”, e 33,6% são “ruins” ou “péssimos”. Em seu relatório, a CNT não analisa a queda em si, mas lembra que mesmo as concessionárias não têm gasto todo o dinheiro necessário à boa conservação das estradas: os R$ 8,83 bilhões investidos anualmente entre 2016 e 2023 correspondem a 39,2% do valor estimado pela CNT para restaurar, manter e melhorar as rodovias. Mesmo assim, as concessionárias ainda investem 2,5 vezes mais que o governo federal, em termos proporcionais.
Diante dos dados, é uma obviedade gritante a necessidade de reforçar a participação privada na gestão das estradas – especialmente nas rodovias estaduais, que estão em situação bem mais sofrível que as federais. Mas apenas isso não basta: é preciso que os contratos sejam bem feitos, de forma que todos saiam ganhando, e que a execução das obras e melhorias seja bem fiscalizada. De forma mais ampla, é preciso que o ambiente de negócios como um todo no país seja facilitado, o que estimulará o apetite privado pelas concessões e impulsionará os investimentos. Ninguém há de negar que a situação atual, de irresponsabilidade fiscal que gera inflação e juros altos, é um freio para todo o setor produtivo, o que também inclui as empresas que administram rodovias.
Rodovias ruins em um país que depende delas para transportar 95% dos passageiros e 65% das cargas do Brasil têm um custo altíssimo: econômico, pois afetam a competitividade do produto nacional, encarecendo o frete; ambiental, pelo consumo adicional de combustível fóssil devido às condições das estradas; e, o mais importante, humano, na forma das vidas perdidas em acidentes nos quais o estado da rodovia tem influência (sem descartar, obviamente, a imprudência que verifica tanto nas rodovias esburacadas quanto nos “tapetes”). Cada ano a mais de descaso eleva os custos da recuperação no futuro, e por isso não há mais tempo a perder; é preciso, sim, reequilibrar a matriz brasileira de transporte, investindo mais em ferrovias, melhorando portos e aeroportos, desengessando atividades como a navegação de cabotagem, mas cuidar das estradas continua sendo uma prioridade.
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