Na sessão virtual em que tomou posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, nesta segunda-feira, dia 25, o ministro Luís Roberto Barroso deixou claro que está trabalhando com o Congresso Nacional para evitar que a pandemia do coronavírus atrapalhe o calendário eleitoral deste ano, que tem eleições municipais programadas para outubro. “As eleições somente devem ser adiadas se não for possível realizá-las sem risco para a saúde pública. Em caso de adiamento, ele deverá ser pelo prazo mínimo inevitável”, afirmou.
De forma sensata, Barroso já descartou de antemão uma hipótese que chegou a ser levantada por parlamentares que até mesmo apresentaram propostas de emenda à Constituição pedindo a unificação do calendário eleitoral a partir de 2022, o que na prática significaria conceder mais dois anos de mandato aos atuais prefeitos e vereadores. “O cancelamento das eleições municipais, para fazê-las coincidir com as eleições nacionais em 2022, não é uma hipótese sequer cogitada”, disse o novo presidente do TSE.
Encurtar campanhas e períodos de transição é um preço muito pequeno a pagar quando a alternativa é violar a vontade popular concedendo uma extensão, ainda que breve, de mandatos políticos
A realização de eleições simultâneas para todas as esferas de governo, além de garantir aos atuais mandatários um prolongamento de seu tempo no poder quando o eleitor lhes concedeu um prazo de quatro anos, terminaria relegando as disputas municipais a uma quase irrelevância, especialmente diante da eleição presidencial. Por mais que também haja argumentos interessantes pela unificação, como a diminuição dos “recessos brancos” e o fim do fenômeno dos políticos que abandonam mandatos pela metade para buscar outros cargos, o fato de a esfera municipal ser a mais próxima do cidadão é suficiente para que ela mereça um calendário próprio, que permita a discussão dos temas da cidade sem outras distrações.
Mas, se conceder dois anos a mais de mandato aos atuais prefeitos e vereadores está felizmente fora de questão, o que dizer de alguns poucos meses, ou poucas semanas? “Prorrogação de mandatos, mesmo que por prazo exíguo, deve ser evitada até o limite”, acrescentou Barroso. O ideal seria que TSE, Senado e Câmara se comprometessem a buscar soluções que garantissem a posse dos eleitos em 1.º de janeiro, cumprindo o que diz o artigo 26 da Constituição sobre o mandato dos prefeitos. Encurtar campanhas e períodos de transição é um preço muito pequeno a pagar quando a alternativa é violar a vontade popular concedendo uma extensão, ainda que breve, de mandatos políticos.
E há alternativas para tanto. Campanhas podem ser feitas pelos meios de comunicação e pelas redes sociais, sem a necessidade de aglomerações populares; a própria votação pode ocorrer em um período estendido, como sugeriu o próprio Barroso dias antes de sua posse, inclusive com horários separados para os grupos de risco da Covid-19 – duas alterações que não dependeriam nem mesmo de projetos de lei, bastando normas do TSE. Tudo isso, é claro, se até lá a pandemia ainda estiver fora de controle, algo que muitos cenários epidemiológicos, mesmo pessimistas, ainda consideram improvável. Mesmo assim, a cautela e as discussões iniciadas desde já são importantes. Ainda que a decisão final possa ocorrer mais perto da data da eleição – como já disse Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, quando citou agosto como o limite para uma definição –, uma eventual alteração ocorrerá embasada em um longo debate, e não de forma atabalhoada. É preciso recordar que a logística necessária para a realização do pleito é bem maior que a do Enem, cujo adiamento já foi decidido pelo Ministério da Educação.
O mandato concedido pelo povo a seus representantes é coisa seríssima, a ponto de ele estar protegido por uma série de dispositivos constitucionais. A seriedade com que ele tem de ser tratado também inclui a sua duração: a população elege membros do Legislativo e chefes do Executivo para prazos estritamente definidos. Por mais preocupantes que sejam os efeitos sanitários da atual pandemia, ela não pode servir de pretexto para se abrir precedentes que permitam transigir com a duração dos mandatos.