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editorial

Seguir exemplos ou dar exemplos?

A regulamentação do auxílio-moradia para os magistrados do Judiciário estadual, feita na quarta-feira passada, e para o Ministério Público, assinada no dia seguinte e publicada ontem, mexeu com a sociedade paranaense. O benefício será válido para todos os juízes, desembargadores e procuradores, corresponderá a 15% do salário bruto, e pode ser pago retroativamente a março, quando a lei que criou o auxílio foi sancionada após ter passado pela Assembleia Legislativa.

Deixemos de lado, por enquanto, duas polêmicas legais envolvendo o auxílio-moradia: sua constitucionalidade, que está sendo analisada tanto pelo Supremo Tribunal Federal quanto pelo Superior Tribunal de Justiça; e o fato de que, com o auxílio-moradia, muitos juízes e alguns procuradores passariam a receber vencimentos acima de R$ 29,4 mil, o salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal e que vale como teto salarial do funcionalismo público, de acordo com a Constituição. O momento é de analisar a situação sob outro prisma.

Uma reclamação antiga da magistratura é a defasagem de seus salários em relação à inflação. Desde 2004, quando a remuneração dos desembargadores e juízes paranaenses foi atrelada ao salário dos ministros do STF, os vencimentos dos membros da corte suprema subiram 70%, contra 76,84% do IPCA (considerado o índice oficial de inflação) e 75,14% do INPC, considerando o acumulado de janeiro de 2004 a maio de 2014. Portanto, existe, sim, uma defasagem, ainda que não tão grande quanto as reclamações dos juízes façam parecer. Além disso, os reajustes, nesse caso, não costumam ser feitos anualmente; juízes podem passar três, quatro anos sem correção nenhuma, até que o Congresso Nacional autorize um aumento. É perfeitamente natural que juízes e desembargadores busquem formas de anular essas perdas, ainda mais considerando que, segundo o Dieese, uma grande maioria das negociações salariais conduzidas desde 2005 tenha resultado em ganhos reais.

Mas o auxílio-moradia é uma maneira torta de repor essas perdas. Se magistrados e procuradores querem atualizar seus vencimentos, que recorram ao Congresso Nacional e argumentem em favor de uma política salarial que realmente contemple a necessidade de evitar que a inflação corroa seu salário. Sabemos que é uma rota tortuosa e nada fácil, mas ela seria percorrida com a consciência do respeito pelas instituições e de que quem tem de decidir quanto os agentes públicos receberão é a sociedade, por meio de seus representantes eleitos para o Congresso Nacional. Não é aceitável recorrer a expedientes que não apenas têm constitucionalidade questionável, mas que principalmente mascaram todo o debate sobre o salário de juízes e procuradores. Por mais que o auxílio esteja previsto na Lei Orgânica da Magistratura (Loman), de 1979, é preciso compreender os objetivos que moveram o legislador. Faz sentido que um juiz ou procurador recém-transferido para uma cidade nova precise de ajuda para se instalar, mas foge completamente da razoabilidade – e certamente não foi essa a ideia da Loman – dar o benefício de forma indiscriminada, contemplando até mesmo quem tem casa própria no município onde exerce sua função, como determinaram o TJ e o MP.

O presidente da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), ao defender o auxílio-moradia, ainda argumentou que o TJ-PR estava apenas seguindo os tribunais superiores e outros 13 TJs, que também têm o benefício. Alegar que se está simplesmente fazendo o que outros também fazem não é o tipo de argumento que esperamos dos nossos juízes e procuradores. Deles esperamos a consciência de que, pela importância da função que exercem, precisam ser aqueles em quem a sociedade se espelha quando busca um país em que vigorem a honestidade, a moralidade e a primazia do bem comum – inclusive com o sacrifício, se preciso for, das conveniências pessoais. São inúmeros os casos recentes que demonstram como esses profissionais vêm ajudando a construir um Brasil e um Paraná melhores. O auxílio-moradia vai no sentido contrário, o sentido do patrimonialismo e do corporativismo que tanto lutamos para remover da vida pública brasileira. Que nossos magistrados e procuradores pensem sobre o significado de suas atitudes em um país com tanta sede de justiça quanto o nosso. A questão, aqui, não é de que mau exemplo seguir, mas de que bom exemplo dar.

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