O 24 de agosto é a data nacional ucraniana, marcando a independência do país, obtida em 1991, meses antes do fim oficial da União Soviética. Mas, neste ano, ela também representa outro aniversário significativo, o de seis meses desde o início da invasão russa, ordenada por Vladimir Putin. A agressão está longe de terminar: apesar do desequilíbrio enorme entre as forças do país invasor e do país invadido, a campanha não teve a rapidez esperada por Moscou, graças ao apoio ocidental e à resistência heroica dos ucranianos. Mas, infelizmente, ainda não se atingiu um ponto de inflexão que permitiria prever o fracasso da aventura russa na Ucrânia.
Os ucranianos conseguiram feitos importantes, como o afundamento do cruzador Moskva (“Moscou”), a nau capitânia da frota russa no Mar Negro. Os russos que ocupavam a Ilha das Cobras, um pequeno bloco de rocha com localização estratégica para as rotas marítimas ao sul da Ucrânia, foram forçados a abandonar o local no fim de junho. Na primeira quinzena de agosto, ataques causaram danos à infraestrutura e a uma base aérea russa na península da Crimeia, território ucraniano invadido e anexado pela Rússia em 2014; o governo ucraniano não reivindicou oficialmente a autoria dos ataques, até para evitar alegações russas de que a Ucrânia teria atacado “território russo”, o que poderia ser usado para justificar uma escalada na agressão, com uma declaração formal de guerra e até o uso de armas nucleares como resposta.
Se não há perspectiva para que essa tragédia termine, isso se deve em parte à falta de coordenação da comunidade internacional
Apesar dessas vitórias, a Rússia controla um quinto do território ucraniano, incluindo toda a província de Luhansk e metade da província de Donetsk – ambas compõem a região do Donbas, de maioria étnica russa. Além disso, os russos ainda ocupam pontos estratégicos como a cidade litorânea de Mariupol e áreas ao norte da Crimeia, como Kherson e Zaporizhzhia, onde está localizada a maior usina nuclear da Europa – os ucranianos acusam os russos de usar a instalação como “escudo nuclear”: posicionariam artilharia no local, de onde poderiam atacar posições ucranianas, que não poderiam retaliar sem risco de acertar a usina e causar um desastre. No entanto, como mostraram os colunistas da Gazeta do Povo Filipe Figueiredo e Luís Kawaguti, as instalações de Zaporizhzhia foram construídas para suportar impactos pesados; o risco de uma tragédia nuclear está mais ligado a possíveis falhas de manutenção. A disputa pelo controle do local também é relevante porque a usina responde por um quinto de toda a energia gerada na Ucrânia, e os russos poderiam tanto desligar a unidade quanto redirecionar sua produção para a Rússia – em ambos os casos, privando a Ucrânia de boa parte de seu fornecimento de eletricidade.
A estratégia russa não é a de vencer apenas militarmente, mas a de destruir a moral e a cultura ucranianas. O número de ataques a áreas urbanas, sem nenhuma importância militar ou estratégica, está em alta; a tentativa de quebrar a força de vontade da população, criando pressão interna para que o governo do país atacado se renda ou aceite negociar com o agressor, não é nova: ela também esteve por trás da Blitz nazista contra cidades inglesas, durante a Segunda Guerra Mundial. Nas áreas ocupadas, a Rússia conduz um esforço de “russificação” da população ucraniana, com o envio de professores cuja missão é “corrigir” a educação local, nas palavras do ministro russo Sergei Kravtsov, impondo a doutrina de Moscou segundo a qual a identidade nacional ucraniana é algo artificial, puramente inventado.
Se não há perspectiva para que essa tragédia termine, isso se deve em parte à falta de coordenação da comunidade internacional. Se houvesse uma adesão maciça às sanções econômicas que poderiam debilitar a economia russa e estrangular financeiramente sua máquina de guerra, a agressão de Putin teria muito mais chances de estar fadada ao fracasso. No entanto, apenas europeus e norte-americanos têm se empenhado em isolar economicamente o regime de Putin, enquanto diversas outras nações importantes seguem fazendo negócios com a Rússia e, de uma forma ou de outra, bancando o esforço de guerra do Kremlin. O autocrata russo conta com essa divisão, e espera dobrar pelo cansaço também as populações dos países que adotaram as sanções – principalmente os europeus, mais dependentes da energia russa. Baixar a guarda agora é abandonar os ucranianos à própria sorte exatamente quando eles necessitam de mais ajuda e de maior pressão internacional contra Vladimir Putin.