Marcada por confrontos e guerras, a comunidade mundial certamente não deu a devida importância a um relatório apresentado na Assembléia das Nações Unidas em outubro passado, embora se tratasse do primeiro estudo abrangente sobre as formas de violência contra crianças.
Para a elaboração do Relatório Global sobre a Violência contra Crianças no Mundo, o especialista Paulo Sérgio Pinheiro, diretor do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), recorreu a dados da Organização Mundial de Saúde e, mais, recolheu depoimentos em vários países. O trabalho focaliza diversos ambientes, da família às escolas, instituições assistenciais alternativas, instituições de privação de liberdade, locais onde menores trabalham e em comunidades. Com a aplicação de um método participativo, crianças puderam relatar suas experiências.
Como destaca a combativa Agência de Notícia dos Direitos da Infância (Andi), a violência contra crianças e adolescentes na família pode freqüentemente ocorrer no contexto de medidas disciplinares e assumir a forma de castigo físico, cruel e humilhante. Mesmo que aplicadas moderamente, tais medidas, não raras vezes, redundam em espancamento.
A truculência doméstica ignora fronteiras: os castigos corporais como medida disciplinar ocorre em países ricos e subdesenvolvidos e em todos os grupos sociais, culturais, religiosos e étnicos.
Mas o trabalho de organizações, no sentido de conscientizar as sociedades sobre os malefícios dos castigos físicos na educação de crianças e adolescentes, começa a apresentar resultados. Atualmente, 15 países proíbem terminantemente esse tipo de conduta.
Outros 25 países discutem a questão. E o Brasil, segundo a Andi, pode ser o primeiro país da América Latina a aprovar uma lei dessa natureza. O Projeto 2.654, que pretende tornar ilícito esse modelo de educação para crianças e adolescentes, já foi aprovado em três comissões da Câmara e agora aguarda parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.
Pelo projeto de lei, o poder público, por meio das escolas, desenvolverá campanhas educativas para orientar os pais, no sentido de substituir o castigo físico pelo diálogo, ou por outra forma de sanção. Por exemplo, afastar a criança de uma brincadeira e fazê-la refletir sobre o mau comportamento que teve. "A melhor forma de educar não é bater, é conversar", diz a deputada Maria do Rosário (PT/RS), autora do projeto de lei, apresentado em 2003. A parlamentar é pedagoga e especialista em violência contra crianças e adolescentes.
Há de se lembrar que, como também estabelece a Declaração Universal dos Direitos Humanos, "a dignidade é inerente a todos os membros da família e que seus direitos são iguais e inalienáveis para fundamentar a liberdade, a justiça e a paz no mundo". Assim, a criança e o adolescente não podem, jamais, serem enquadrados como uma exceção, a título nenhum. O que, diante do desvario que parece tomar conta do mundo, pode parecer algo despropositado, mas que, na realidade, é uma busca fundamental.
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