As irregularidades cometidas pela presidente Dilma Rousseff em 2014 foram tão evidentes que o Tribunal de Contas da União (TCU) resolveu enviar ao Congresso Nacional, pela primeira vez desde a ditadura Vargas, parecer recomendando a rejeição das contas do ano passado. O parecer do relator Augusto Nardes, embasado no trabalho puramente técnico dos integrantes da Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag), citou mais de uma dezena de truques para maquiar a contabilidade governamental, dos quais as “pedaladas fiscais” – em que bancos estatais tinham de bancar com recursos próprios benefícios do governo federal, configurando um “empréstimo” feito por Caixa e Banco do Brasil à União – foram apenas os mais célebres. A manipulação era tão escancarada que os demais ministros do TCU não levaram mais de 15 minutos para aprovar, por unanimidade, o parecer de Nardes.

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As “pedaladas”, no entanto, não terminaram em 2014: elas continuaram, e com ainda mais força, neste ano, segundo relatório do procurador Júlio Marcelo de Oliveira, do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas. Elas são o ingrediente principal do pedido de impeachment que corre atualmente na Câmara dos Deputados, assinado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaina Paschoal. As “pedaladas” de 2014 já seriam mais que suficientes para justificar a remoção de Dilma, mas o trio resolveu incluir as irregularidades de 2015 para evitar que o pedido fosse rejeitado por uma interpretação errônea da legislação segundo a qual um governante em segundo mandato não pode ser responsabilizado por atos do primeiro mandato. É claro que a existência de crime de responsabilidade cometido por Dilma é um fato objetivo que independe da opinião do Congresso, mas uma rejeição das contas de 2014 pelo Congresso certamente fortaleceria o pedido de impeachment.

O relatório de Acir Gurgacz tende a destruir de vez a Lei de Responsabilidade Fiscal

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Por isso, entrou em cena o presidente do Senado, Renan Calheiros, peemedebista subserviente ao Planalto. Ele indicou, como relator das contas de Dilma, o pedetista Acir Gurgacz, de Rondônia, réu em ação penal por estelionato e crime contra o sistema financeiro. Pois Gurgacz cumpriu muito bem seu papel: preparou um relatório recomendando a proverbial “aprovação com ressalvas” das contas de 2014 do governo federal. Em sua justificativa, ele tratou de minimizar a gravidade das gambiarras fiscais, copiando ponto por ponto a argumentação do governo, inclusive a de que governos anteriores fizeram a mesma coisa, de que a deterioração da economia complicou o cumprimento das metas e de que até houve “pedalada”, mas ela não seria um empréstimo, muito menos crime. O despudor é tanto que Gurgacz chamou de “questão política” a unanimidade no TCU pela rejeição das contas de Dilma, desmerecendo todo o trabalho da área técnica do órgão, e insinuou que sua avaliação seria mais isenta que a do TCU.

O senador nem se esforça para esconder que, por vias tortas, seu relatório tende a destruir de vez a Lei de Responsabilidade Fiscal. “Fizemos trabalho analisando não somente as contas de 2014, mas também avaliando o impacto disso para governos anteriores e governos estaduais e prefeituras”, afirmou. O que Gurgacz quer dizer é que rejeitar as contas de Dilma significaria criar dificuldades para outros governantes interessados no mesmo tipo de maquiagem contábil. É nesse sentido que o deputado Mendonça Filho (DEM-PE) escreveu nas mídias sociais que a aprovação do relatório de Gurgacz significaria “abrir a porteira da esculhambação fiscal” – e já explicamos, dias atrás, as graves consequências dessa leniência.

A Comissão Mista de Orçamento só vai analisar o relatório de Gurgacz em março do ano que vem. Que até lá possa estudar o caso e perceber que o único desfecho aceitável é a rejeição desse texto, bem como das contas de 2014 de Dilma Rousseff. Qualquer coisa diferente será igual a premiar os governantes que fazem pouco do dinheiro público.