Casos de falcatruas envolvendo políticos e gestores públicos se tornaram lugar comum nas manchetes dos jornais. Apesar dos inúmeros escândalos comprovados por gravações telefônicas, filmagens e depoimentos de testemunhas, a verdade é que quase ninguém acaba sendo punido, o que alimenta a impunidade. Em alguns episódios, até mesmo o trabalho meticuloso da Polícia Federal, é posto de lado diante de filigranas jurídicas que são levantadas ao longo do processo.

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A situação preocupa diante da proximidade do julgamento do mensalão previsto para 2012 – considerado o maior golpe de corrupção da história política brasileira. Envolvendo caciques políticos, banqueiros e marqueteiros que trabalharam no primeiro governo Lula, todos os indiciados no processo não perderam tempo em se socorrer das melhores bancas de advocacia para sua defesa. Com tantos recursos e artimanhas legais que estão sendo interpostos, lamentavelmente a perspectiva de tudo acabar em pizza é bastante real, a começar pela possibilidade da desconsideração de provas fundamentais ao processo que já soma milhares de páginas.

Um caso recente que acabou dessa forma foi o da Operação Boi Barrica, envolvendo a família do presidente do Senado, José Sarney. Na questão, decisão da 6.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça declarou nulas as provas colhidas pela Polícia Federal mediante a quebra de sigilo fiscal, bancário e telefônico de familiares do velho político, fazendo com que as investigações voltassem praticamente à estaca zero.

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Para recordar, membros da família Sarney passaram a ser investigados pela Polícia Federal no Maranhão por tráfico de influência no governo federal, formação de quadrilha, desvio e lavagem de dinheiro, às vésperas das eleições de 2006. As investigações começaram após o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ter detectado três "movimentações financeiras atípicas" no valor de R$ 2 milhões, feitas pelo empresário Fernando Sarney e por sua esposa, Cristina Murad, em 2006. Foi com base no Relatório Inteligência Financeira (RIF), elaborado pelo Coaf, que a Polícia Federal obteve a ordem judicial de quebra de sigilo e que deu fundamento a cinco inquéritos investigativos.

Os ministros do STJ, entretanto, consideraram que o relatório do Coaf não seria elemento suficiente para permitir a quebra de sigilo. Em seu voto, o ministro Sebastião Reis Júnior entendeu que houve falha na fundamentação da decisão que concedeu a quebra de sigilo dos investigados. Para ele, seria necessário o esgotamento de outros meios de prova, antes de se recorrer a meios mais invasivos. E, por essa razão, o direito à intimidade dos acusados teria sido indevidamente invadido, razão pela qual os ministros entenderam por bem anular as provas colhidas com a quebra de sigilo.

A decisão não deixou de gerar comentários, uma vez que o relatório da Coaf fora aceito como prova válida e hábil para a quebra de sigilo pelo Ministério Público, pelo Tribunal Regional Federal e pela Justiça Federal de primeira instância. Segundo a Polícia Federal, esse relatório é usado em 80% dos inquéritos que envolvem crimes financeiros no país. Em casos como o da Operação Boi Barrica, em que somente o uso de meios de prova excepcionais pode levar à caracterização de crimes, é razoável indagar se a decisão do STJ foi a mais acertada. Além do que, a quebra dos sigilos do clã Sarney se deu a partir de relatório emitido pelo Coaf. Parece-nos que esse é um daqueles casos em que o direito à intimidade deveria ceder espaço para o interesse público, dada a necessidade de se coibir crimes do chamado "colarinho-branco". Enfim, a Operação Boi Barrica é um exemplo de decisão em que a punição de envolvidos em atividades nada republicanas pode acabar não sendo efetivada. Pelos precedentes, na questão do mensalão, e no interesse público, que todos os cuidados sejam tomados para evitar que ele siga pelo mesmo caminho.