Ouça este conteúdo
O que já era dado como certo realmente se confirmou: sem pejo algum, Luiz Inácio Lula da Silva indicou seu advogado pessoal, Cristiano Zanin, para ocupar a vaga no Supremo Tribunal Federal aberta com a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski, oficializada em abril. Embora a indicação seja uma prerrogativa do presidente da República, a de Zanin é uma afronta direta ao espírito do Estado Democrático de Direito e a todos os brasileiros. A nomeação não pode ser aprovada. Não cabe outra posição aos senadores da República. Chancelar o nome de Zanin seria um acinte – mais um – ao povo brasileiro e às instituições democráticas.
O fato de Lula não ver problema algum em indicar seu advogado ao STF não surpreende. O histórico e ações nos primeiros meses de seu terceiro mandato como presidente da República são mais do que suficientes para comprovar a insistência de Lula em tratar com desdém as instituições e os demais poderes, em especial quando não se curvam aos seus interesses. Mas se o presidente envereda por este mau caminho, é função do Legislativo zelar pela honorabilidade e independência dos poderes e evitar que o Supremo Tribunal Federal possa ter sua imagem e seu prestígio junto aos cidadãos brasileiros ainda mais desgastados.
Zanin no STF simboliza e materializa a consolidação da inversão de valores que se instalou no país com a perseguição aos protagonistas da Operação Lava Jato.
Zanin esteve à frente da defesa de Lula durante as condenações do petista em primeira e segunda instância, por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Mais tarde, o advogado conseguiu a anulação pelo STF das condenações contra o petista, o que possibilitou que Lula pudesse concorrer à Presidência da República em 2022. A fidelidade demonstrada pelo advogado ao longo da defesa é o que, para Lula e sua moral distorcida, justifica a indicação de Zanin ao STF. Mas essa proximidade é justamente o que, em qualquer Estado minimamente zeloso da independência entre os poderes e da moralidade, impede a nomeação do advogado como ministro do STF.
Quando Lula usa critérios meramente pessoais e políticos para indicar um ministro ao STF, está minando a moralidade da corte, e em grande medida sua independência, querendo transformá-la numa extensão do governo federal, como bem denunciou a Transparência Internacional em manifestação contra a indicação de Cristiano Zanin. Tal atitude não pode ser tolerada pela sociedade e nem por seus representantes eleitos que, insistimos, têm o dever de barrar Zanin. O advogado foi indicado por Lula por ser seu fiel defensor – e deverá repetir esse papel no STF.
Seria de uma ingenuidade absurda acreditar que, uma vez empossado no STF, Zanin deixe de lado seu histórico e passe a atuar de forma independente, sem levar em conta os interesses pessoais de Lula e de seu partido. Aliás, se Lula suspeitasse que Zanin pudesse fazer isso, com certeza não o indicaria. Ao longo dos seus dois mandatos anteriores, Lula indicou sete ministros ao STF, dos quais apenas dois ainda permanecem na corte, Cármen Lúcia e Dias Toffoli. Em diversas ocasiões, Lula reclamou da atuação dos seus indicados, como o do hoje ministro aposentado Joaquim Barbosa, que se tornou relator do mensalão e condenou vários nomes do PT – o que, obviamente, desagradou Lula. Lula escolheu Zanin porque sabe que ele não o decepcionará como fez Barbosa.
Além das razões acima, de caráter institucional, que tornam a indicação de Zanin passível de até de um questionamento de constitucionalidade, outra, de caráter moral e político, precisa ser fortemente levada em conta pelos parlamentares: Zanin no STF simboliza e materializa a consolidação da inversão de valores que se instalou no país com a perseguição aos protagonistas da Operação Lava Jato. Ceder neste ponto é capitular ao que de mais perverso se deu no Brasil nos últimos anos.
Evitar que mais esse absurdo se concretize caberá ao Senado Federal. Zanin precisará passar por uma sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e também pelo plenário do Senado, onde terá de contar com o voto favorável de pelo menos 42 senadores para ser nomeado. Barrar o nome de Zanin, reiteramos, não deveria ser visto como uma simples escolha, mas um dever do Senado. Infelizmente, como vimos em relação aos membros da mesa diretora da Câmara dos Deputados, que aceitaram a cassação injusta de Deltan Dallagnol, os parlamentares brasileiros nem sempre estão à altura de seu papel. Esperemos que, ao menos desta vez, os senadores tenham a hombridade de agir corretamente.