2 felizes
Ajuste fiscal, só a partir de 2027 – em resumo, essa foi a principal mensagem da ministra do Planejamento, Simone Tebet, em entrevista ao programa Bom dia, ministra, transmitido na terça-feira pela Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). Que algo assim venha da integrante tida como a mais responsável entre as autoridades da equipe econômica (embora com influência quase zero na condução da política econômica) é uma boa demonstração de qual é, no momento, a prioridade do governo Lula: “fazer o diabo” para se reeleger, como afirmou em 2013 a então presidente Dilma Rousseff.
De uma forma um tanto paradoxal, Tebet afirma que há a necessidade de ajustes fiscais “robustos”, mas também diz que “o Brasil está dando certo”, que “não esperava números tão positivos em tão pouco tempo” e que, nos últimos 25 anos, não se lembra “de um momento em que todos os números da macroeconomia caminhavam tão bem”. Se fosse assim, convenhamos, não seria preciso ajustar nada; mas, se há essa necessidade, é porque os “números da macroeconomia” não são tão bons assim – e de fato não são: a Selic está no maior nível desde 2015 e deve subir ainda mais; a dívida pública, como proporção do PIB, já é bastante alta para um país emergente como o Brasil, e também está em trajetória ascendente; o Brasil voltou a ter déficits primários; e a inflação não dá trégua. Só neste último item a ministra deu o braço a torcer, quando afirmou que “o mercado está caro”.
Ministra diz que Brasil precisará de ajuste fiscal “robusto”, mas admite que até 2026 a ordem é gastar o que for possível em busca da reeleição
O interessante é que ela sabe o principal motivo para que a moeda esteja perdendo valor de compra. Em um outro ambiente – um jantar com empresários promovido pelo Esfera Brasil, na noite de segunda-feira –, ela se sentiu mais à vontade para dizer que “cansou de falar” sobre a importância de um ajuste fiscal, que Lula “não fez o dever de casa” nessa área, e que a disparada do dólar no fim do ano passado foi, sim, motivada pela frustração com o medíocre pacote fiscal anunciado pelo seu colega Fernando Haddad, da Fazenda.
A lógica mais básica mandaria que, diante de um cenário desses, a ministra fosse ainda mais enfática na defesa de uma correção urgente de rumos. Mas não é esse o caso, a julgar pela entrevista à EBC: “nós estamos perto de um processo eleitoral, aí fica mais difícil. Acho que a janela para as grandes mudanças estruturais no ajuste acabará ficando para a pós-eleição de 2026”, disse Tebet. Até lá, portanto, não devemos esperar nada do governo, que está mais preocupado em seguir gastando o que tem e o que não tem para conquistar mais quatro anos no Planalto, aprofundando ainda mais o caos fiscal, o que por sua vez exigirá ajustes cada vez mais drásticos.
Apesar disso tudo, Tebet antecipou, no jantar com empresários, que apoiará a reeleição de Lula no ano que vem. E só então, com o novo mandato garantido, diz ela, “vamos ter de sentar à mesa, enfrentar essas questões e colocar dinheiro nos cofres públicos, para fazer políticas necessárias, ou rediscutir os parâmetros do arcabouço [fiscal]”. Em outras palavras, a ministra acredita que, em novembro de 2026, um Lula eventualmente reeleito subitamente verá a importância da responsabilidade fiscal e dará sinal verde a um ajuste de verdade. Para Tebet, que “fez o L” no segundo turno em 2022 depois de se apresentar como a “terceira via” no primeiro, não basta ser constantemente ignorada, ao ponto de ser escanteada na escolha do ideólogo petista Márcio Pochmann para o IBGE: é preciso, também, viver em um mundo de fantasia no qual o mesmíssimo presidente que leva o Brasil ao buraco fiscal será o responsável por tirá-lo dele.