Dezenas de bilhões de reais de investimentos em infraestrutura que estavam a ponto de se perder no fim de outubro estão agora praticamente garantidos, com a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Marco Legal das Ferrovias, que segue para sanção presidencial. Ele consagra em lei o modelo estabelecido pela Medida Provisória 1.065/21, que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), quase deixou caducar sem que tivesse enviado à Câmara o projeto de lei do Marco Legal das Ferrovias, que o Senado já tinha aprovado no início de outubro. Felizmente, prevaleceu o bom senso: em um curto intervalo, Pacheco remeteu o projeto de lei aos deputados e prorrogou a MP 1.065 por mais 60 dias, permitindo que os investimentos não fossem perdidos enquanto o texto tramitava na Câmara.
A grande novidade do Marco Legal das Ferrovias está no novo regime de autorização, mais simples e menos burocrático, em que o investidor procura o governo com um projeto, que será analisado e só pode ser rejeitado sob determinadas condições, como descumprimento de regras ou incompatibilidade com a política nacional de transporte ferroviário. Até então, a única possibilidade era a de concessão, em que o governo federal leiloava determinado trecho e o vencedor assinava contratos de duração específica com a União, tendo de entregar todos os equipamentos quando a concessão expirasse.
Não faz o menor sentido que o Brasil continue extremamente dependente do modal rodoviário, especialmente no transporte de carga
A enorme procura por autorizações de construção de novas ferrovias logo que a MP 1.065 foi publicada demonstrou o potencial represado do modal ferroviário no país e que estava sendo desperdiçado com a lentidão na tramitação do Marco Legal das Ferrovias, apresentado em 2018 pelo senador licenciado José Serra (PSDB-SP) – foi esta demora que levou o presidente Jair Bolsonaro a publicar a medida provisória. Um mês após a MP entrar em vigor, o Ministério da Infraestrutura já havia recebido 14 solicitações; no fim de outubro, quando a MP quase caducou, o número já havia subido para 23, prevendo investimentos de R$ 83 bilhões na construção de 5,6 mil quilômetros de novos trilhos – extensão quase idêntica à da ligação rodoviária entre o Oiapoque e o Chuí. Durante os debates na Câmara, o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) afirmou que poderia haver, em breve, cerca de 40 pedidos adicionais de autorização.
Ainda que tudo isso se concretize, essa ampliação da malha ainda estaria longe de tornar realidade tudo o que o Brasil pode oferecer em termos de transporte ferroviário. A malha atual brasileira tem pouco menos de 30 mil quilômetros, a mesma extensão que tinha 100 anos atrás. Como já lembramos, a França, com território semelhante ao da Bahia, tem a mesma quantidade de ferrovias que o Brasil; os Estados Unidos, cuja área é 11% maior que a brasileira, têm malha dez vezes maior que a nossa. E mesmo assim, nas contas do ministro Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, com esses investimentos já seria possível dobrar de 20% para 40% a participação do modal ferroviário na matriz brasileira de transportes até 2035. Esta porcentagem seria ainda maior caso o Brasil tivesse uma malha tão densa quanto a de nações desenvolvidas.
Não faz o menor sentido que o Brasil continue extremamente dependente do modal rodoviário, especialmente no transporte de carga, com caminhões percorrendo grandes distâncias em rodovias muitas vezes precárias, encarecendo os produtos e reduzindo a competitividade nacional. Uma matriz de transportes inteligente reserva os percursos mais longos para os modais mais baratos, como o ferroviário ou o aquaviário – e, neste sentido, também é preciso recordar “BR do Mar”, que facilita a navegação costeira e também vai a sanção depois de ser aprovada na Câmara –, reservando ao transporte rodoviário a responsabilidade pelos trechos iniciais ou finais da viagem. Que o Marco Legal das Ferrovias e a BR do Mar sejam apenas o início de uma revolução logística que traga investimentos, gere emprego e renda, e torne o produtor brasileiro mais competitivo ao reduzir os custos do transporte.