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Editorial

Sinal vermelho para o Uber

 | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
(Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo)

Novas tecnologias que afetam de forma drástica modelos de negócios já estabelecidos chegam causando controvérsia, despertando reação e oposição imediata. Isso não é novidade: ocorre desde a Revolução Industrial. Ultimamente, as tecnologias de informação têm balançado setores da economia ao facilitar a intermediação entre pessoas interessadas em fazer negócio, ou oferecendo serviços que dispensam a necessidade de provedores tradicionais. Os exemplos mais conhecidos são o Netflix, o AirBNB e os aplicativos de transporte individual, como Uber e Cabify.

O primeiro impulso, em situações como essa, é pedir pela intervenção do poder público. Foi o que ocorreu no caso dos aplicativos de transporte, com a pressão dos taxistas em todo o país para que Uber e, mais recentemente, Cabify fossem proibidos ou pelo menos regulamentados e submetidos a exigências semelhantes às dos táxis. O caso chegou ao Congresso Nacional.

Compreende-se a reação dos taxistas. É o seu sustento que está em jogo, e o serviço de táxis tem diversas restrições que afetam sua liberdade de iniciativa, a começar pela própria existência de uma limitação no número de carros, sem falar nas taxas e impostos. Mas, por outro lado, eles gozam de vantagens que seus concorrentes não têm, como a chancela estatal, incentivos fiscais para a aquisição de veículos, locais para estacionar sem ter de pagar por isso e identificação exclusiva que permite encontrar clientes de oportunidade.

A Câmara trabalhou contra a inovação, a livre iniciativa e o interesse do consumidor

Mas resumir o embate a uma lista de vantagens e desvantagens para cada lado é olhar as árvores e ignorar a floresta. É todo o paradigma de interação entre fornecedor e cliente que está mudando, e não apenas no transporte individual de passageiros. Como bem argumentou o juiz fluminense Vinicius Bodart em uma decisão favorável a um motorista do Uber, em 2015, antigamente a validação do poder público era essencial para que alguém soubesse se determinado estabelecimento ou serviço tinha padrões mínimos que permitissem seu funcionamento. Mas hoje, no mundo dos aplicativos e mídias sociais, clientes e fornecedores avaliam e são avaliados, eliminando a assimetria de informação em que o usuário era o lado mais fraco. Isso vale tanto para os novos competidores, como motoristas do Uber e proprietários de imóveis do AirBNB, quanto para os já estabelecidos – clientes publicam suas opiniões sobre hotéis e restaurantes, por exemplo, em perfis pessoais ou sites especializados.

Essa mudança de paradigma seria a oportunidade perfeita para rever também a postura do poder público, hoje declaradamente intervencionista. Seria a chance de privilegiar a liberdade, mantendo a regulamentação em um nível mínimo ou reconhecendo que ela nem seria necessária, além de afrouxar o garrote sobre os taxistas. O modelo ideal seria a desregulamentação, realizada gradualmente de forma a amenizar a situação dos taxistas que fizeram investimentos contando com a manutenção de um modelo de exclusividade e regulamentação. Infelizmente, não foi o que ocorreu na Câmara dos Deputados no início deste mês, pois o projeto de lei aprovado na casa tomou a direção contrária.

Um destaque apresentado ao projeto retirou o termo “privado” após a expressão “transporte remunerado individual”. Isso automaticamente transformou Uber e Cabify em serviços públicos, ou seja, obrigatoriamente regulamentados. Essa mudança anula qualquer autonomia dada aos municípios pelo projeto, pois eles não apenas se veem obrigados a estabelecer regras para o funcionamento dos aplicativos, como o próprio projeto já estabelece parâmetros obrigatórios, dizendo como a regulamentação deve ser feita.

Trocas legítimas e voluntárias entre cidadãos se veem mais uma vez sujeitas a uma desnecessária intervenção estatal. A Câmara trabalhou contra a inovação, a livre iniciativa e o interesse do consumidor, em mais uma demonstração de quanto os ideais de liberdade ainda precisam avançar no país. Mas o Senado ou o presidente Temer, a quem caberá a sanção do projeto em caso de aprovação, terão a oportunidade de remediar esta situação.

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