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Editorial 1

Sobre a greve

Fomos todos vítimas da pouca opção e ficou evidente que é grande demais o risco de uma cidade do porte de Curitiba depender de um único sistema de transporte público

A paralisação total dos ônibus coletivos de Curitiba pode ser analisada sob dois aspectos que merecem uma reflexão maior. A primeira diz respeito à dificuldade de uma população refém de um sistema de transporte centrado em um único modal. A segunda, às circunstâncias da greve.

Curitiba exportou seu modelo, baseado em canaletas e integração por terminais. Ficou conhecida como a cidade-modelo no transporte coletivo. Mesmo sendo melhor do que a grande maioria dos serviços oferecidos nas maiores cidades brasileiras, o cidadão curitibano percebe que não dá mais conta do crescimento populacional. O aumento da demanda gera cenas antes vistas somente em outras capitais: filas intermináveis em horários de pico, ônibus lotados, reclamação de atraso. Essa queda na qualidade, aliada à facilidade para a compra de um automóvel nos últimos anos, faz com que as vias fiquem lotadas, sendo o ônibus usado praticamente por quem não tem alternativa.

O fato é que, mesmo com suas deficiências, o transporte em ônibus é essencial para Curitiba – são 2,3 milhões passageiros por dia útil, de acordo com a prefeitura – e sua ausência provoca um verdadeiro caos instalado na cidade. O que se viu foram usuários sem ter como se deslocar para o trabalho, procurando como medida urgente os táxis, que em função da frota também abaixo da demanda ficam impossíveis de serem localizados em dias de grande procura. No comércio, as lojas fechadas por falta de funcionários deixaram a terça-feira com cara de domingo. Quem teve como alternativa o carro próprio ou a carona enfrentou congestionamentos intensos. De um modo ou de outro, fomos todos vítimas da pouca opção e ficou evidente que é grande demais o risco de uma cidade do porte de Curitiba depender de um único sistema de transporte público. Saídas existem. Lembremos que o projeto do metrô começa a andar, com vistas para a Copa de 2014. A primeira linha deve ligar a Cidade Industrial ao Centro, em um trecho de 14 quilômetros. Levará muito tempo para que a cidade possa afirmar que tem um segundo grande sistema de transporte. Enquanto o projeto de metrô não avança, outras alternativas mais baratas e com construção mais rápida poderiam ser colocadas em prática, como a expansão da malha cicloviária e mesmo uma oferta maior de táxis.

A outra reflexão à qual a greve nos obriga é sobre a adesão dos trabalhadores a ela. Por longas horas, não se viu um único ônibus nas vias da cidade. Foi descumprida a lei que garante pelo menos 30% da manutenção de serviços essenciais. Do mesmo modo, não se respeitou a liminar garantindo 80% da frota nas ruas em horário de pico. É evidente que motoristas e cobradores sabem das consequências negativas de uma paralisação total. Teria faltado solidariedade com os demais curitibanos? Ou comporiam motoristas e cobradores a mais unida das categoriais profissionais? Se esse não for um case de mobilização, é o caso de se pensar sobre quais outros fatores podem ter levado a uma adesão total.

Uma greve assim pode, por exemplo, servir para justificar um aumento de tarifa, medida muito difícil em ano eleitoral. Desde 2004, quando Beto Richa, vice-prefeito de Cassio Taniguchi, baixou a tarifa durante uma viagem do então prefeito, uma nova lógica de majoração da passagem se impôs. A atitude de Richa foi muito importante para a eleição dele naquele mesmo ano. Depois, a tarifa ficou congelada por cinco anos, subindo somente em 2009 e novamente no ano passado, em períodos distantes de eleições municipais. Sabemos todos, aumento de tarifa não é coisa simples em ano de voto. Olhando para esse cenário, espera-se que os trabalhadores do transporte coletivo não estejam sendo usados por aqueles que desejam pressionar o poder público para um aumento de tarifa.

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