Parece ganhar força a ideia de que a resolução de problemas complexos como a desigualdade racial pode ser conseguida através da aplicação de políticas de cotas. Prova disso é o projeto de lei estabelecendo reserva de 20% das vagas em concursos de órgãos da administração pública federal, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União para quem se autodeclarar negro. A medida, apresentada pelo Executivo, foi aprovado na semana passada pelo Senado durante votação simbólica e agora aguarda a sanção presidencial.

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Por mais que se reconheça a legitimidade de ações afirmativas para reduzir desigualdades ou corrigir injustiças, não se deve acreditar que elas sejam por si mesmas soluções definitivas. Ao contrário, quando não aplicadas de forma adequada, as políticas afirmativas, em especial as de cotas, podem criar distorções perigosas na sociedade. O Brasil é marcado pelo alto grau de miscigenação racial de sua população a ponto de em muitos casos ser difícil para uma pessoa se autodeclarar como negra ou branca. Ao institucionalizar a divisão da sociedade pela cor da pele – critério básico para definir quem será ou não beneficiado pelas cotas – cria-se uma distinção que não faz parte da cultura nacional.

Certamente não se pode negar que a escravidão deixou resquícios difíceis de ser apagados. Isso pode ser comprovado facilmente quando se percebe que a população negra ocupa menos espaços nas universidades, ocupam espaços menos nobres do mercado de trabalho. No serviço público federal, por exemplo, segundo dados do Ministério do Planejamento, a participação dos negros gira em torno de 30%. Se o Estado pode atuar para minimizar essa desigualdade, deve fazê-lo, mas buscando soluções reais. E no caso da desigualdade racial, o problema não é tanto a cor da pele, mas sim a falta de oportunidade.

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Mesmo que existam casos – felizmente não tão frequentes – em que a discriminação racial é o impeditivo real de progresso ou ascensão social, o fator determinante ainda é a questão educacional. Sem recursos para conseguir uma educação de excelência – escolas públicas, como se sabe, nem sempre oferecem ensino de qualidade –, pobres, independentemente da cor da pele, com pouca qualificação mantêm-se em empregos com menor ganho salarial, e têm poucas oportunidades de ascender socialmente. Nesse sentido, como já defendemos em outras ocasiões, se a preocupação do governo for mesmo diminuir a desigualdade racial de forma definitiva, faria melhor se oferecesse a todos os brasileiros, sejam negros, brancos ou indígenas, uma educação de qualidade, o que proporcionaria condições mais equânimes de ascensão social. Além de garantir a qualidade do ensino, a universalização do acesso à educação superior também é uma maneira de se promover a diminuição da desigualdade e as cotas, sociais ou raciais, podem ser usadas como uma ferramenta auxiliar para isso.

Sejam sociais ou raciais, as políticas de cotas devem sempre respeitar as liberdades democráticas, como a liberdade de iniciativa; ser provisórias e vir acompanhadas de outras medidas acessórias que garantam a efetiva resolução do problema e com o tempo tornem a própria política afirmativa desnecessária. No caso das cotas raciais em concursos, embora exista a previsão de que se trata de uma medida provisória – o projeto estabelece o vigor da lei em dez anos – não há menção a outras ações para incentivar o aumento da proporção de negros atuando no serviço público. Achar que as cotas por si só bastam beira, na melhor das hipóteses, a ingenuidade ou, na pior, a puro marketing eleitoreiro.

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