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Editorial

Sombras de uma nova greve

Greve dos caminhoneiros em 2018.
Greve dos caminhoneiros em 2018. Foto: Gerson Klaina/Gazeta do Povo (Foto: )

Nesta semana a população brasileira viu-se apreensiva com a possibilidade do início de uma nova greve dos caminhoneiros. Com anúncio do aumento do diesel em R$ 0,10 nesta quarta-feira (17), a ala mais radical dos motoristas de caminhões afirmou que prepara uma greve para a próxima semana.

A paralisação dos caminhoneiros do ano passado, para além de seus efeitos catastróficos sobre a economia e de representar, por si só, um ato de autoritarismo irresponsável, ocorreu em meio a uma série de ilegalidades: motoristas ficaram impedidos de trafegar nas rodovias; caminhoneiros que não queriam aderir à greve foram forçados a fazê-lo, inclusive aqueles que levavam insumos fundamentais; o abastecimento de itens como combustível, água e alimentos, praticamente cessou, causando dificuldades tremendas inclusive para as forças de segurança e hospitais.

A categoria conseguiu, na época, que o Estado financiasse a redução do preço do diesel, acertou um preço mínimo para o frete e outras benesses de curto prazo que o governo Temer concedeu para que a greve pudesse ter fim antes que a situação da população se complicasse ainda mais. Mesmo assim, foi necessário que o Exército atuasse para liberar algumas rodovias.

Agora, estando novamente em situação econômica difícil, os motoristas de caminhão pretendem repetir a dose.

Contudo, estudos apontam que depois da greve do ano passado a renda dos caminhoneiros autônomos despencou. O tabelamento do frete teve também o efeito de aumentar a competitividade de outros modais e a busca por alternativas para o transporte de cargas, dificultando ainda mais a situação da categoria.

O que gerou a crise fará perdurar seus efeitos enquanto não houver um mínimo de bom senso para reconhecer o óbvio: não se consegue revogar a lei da oferta e da procura. Sabe-se que de 2009 a 2018 a frota de caminhões aumentou em pelo menos 40%. Essa diferença ocorreu, ao menos em parte, por conta da política de financiamento fácil para compra de caminhões dos governos Lula e Dilma. Como a produção do Brasil não aumentou na mesma proporção, os fretes caíram. Ou seja, se há caminhões demais e produtos de menos para serem transportados, o frete tende a baixar, e vice-versa.

Esse caso é só mais um exemplo de como as políticas intervencionistas criam situações econômicas artificiais que acabam se revelando danosas depois de um tempo.

Não faz mais sentido que o governo fique a reboque desta ou daquela categoria

Bolsonaro demonstrou que está disposto a seguir uma pauta de livre mercado e a se concentrar em reformas estruturantes que deem estímulo à iniciativa privada. Apesar disso, mostrou-se sensível às reivindicações dos caminhoneiros. O governo havia anunciado uma série de medidas já na terça-feira (16) para conter os ânimos, que incluem crédito para manutenção dos caminhões, esforços de fiscalização para o cumprimento da tabela mínima do frete e conclusão de obras e manutenção de rodovias.

A crise dos caminhoneiros, como vimos acima, foi fomentada em boa parte pelo próprio Estado. O governo talvez queira, portanto, implementar algumas medidas paliativas para que a classe possa se readequar gradativamente à nova situação de mercado. Se assim é – e não é claro que essa seja a melhor interpretação das decisões tomadas –, seria crucial que o governo sinalizasse isso, indicando o caráter temporário de algumas das medidas; crucial seria também que não continuasse endossando uma medida tão contraproducente quanto o tabelamento do frete.

Não faz mais sentido que o governo fique a reboque desta ou daquela categoria, adotando medidas pontuais e parciais, que só tenderão a gerar desequilíbrios no médio e longo prazos. No caso da possibilidade de greve dos caminhoneiros, a situação é especialmente grave, por se tratar de um ato de força, abusivo, que pretende por de joelhos todo o país. A greve, pelo menos no modelo adotado no ano passado, é inaceitável e será necessário que o governo deixe isso muito claro, inclusive com a repressão policial e judicial, se for o caso.

A retomada do crescimento pode levar algum tempo e a economia tem seus mecanismos internos que precisam ser respeitados. É preciso de muita prudência para sairmos da crise. O diálogo é bem vindo, bem como medidas paliativas temporárias. Mas, que não haja mais dúvidas a esse respeito, uma greve como a do ano passado é inadmissível.

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