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Editorial

A gestão pública, um pouco menos engessada

STF validou contratação de servidores públicos pelo regime CLT.
STF validou contratação de servidores públicos pelo regime CLT. (Foto: Carlos Moura/SCO/STF )

O governo Lula continua prometendo que enviará ao Congresso um projeto de reforma administrativa que seria até mais abrangente que o elaborado no governo anterior, embora neste caso todo ceticismo seja justificado, dada a histórica indisposição do petismo em comprar qualquer briga com servidores públicos. Enquanto isso não acontece – se é que acontecerá um dia –, o Supremo Tribunal Federal ofereceu uma contribuição para desengessar o serviço público ao menos em parte, com uma decisão que não recebeu tanta visibilidade quanto outras votações realizadas pela suprema corte.

Com um notável atraso, a corte validou, por 8 votos a 3, um trecho de uma emenda constitucional aprovada em 1998 e que havia sido liminarmente suspenso em 2007, permitindo à União, a estados e a municípios contratar servidores pelo regime da CLT, como os trabalhadores da iniciativa privada, e não apenas no chamado regime estatutário, aquele mais associado ao funcionalismo, com estabilidade e outras características próprias. Pouco mais de 15 anos atrás, a ministra Cármen Lúcia havia atendido a pedido feito em 2000 pelo PT e outros partidos de esquerda, suspendendo a emenda constitucional de 1998 alegando um vício formal: o texto não teria sido votado em dois turnos nas duas casas. Coube a Gilmar Mendes abrir a divergência vencedora, afirmando que as únicas diferenças que havia se referiam à mudança de lugar de certos dispositivos, sem alteração no texto propriamente dito, ou seja: as duas casas votaram, sim, o mesmo texto, ainda que a norma contestada estivesse em locais diferentes da PEC em momentos diversos.

A decisão do Supremo é um primeiro passo para permitir um equilíbrio que garanta a boa oferta de serviços públicos sem engessar gestões e orçamentos

Foram 26 anos desde a promulgação da emenda constitucional, 17 desde a derrubada liminar do trecho em questão, e quatro desde o início do julgamento no STF, tudo por uma questão formal e de solução tremendamente simples. É de se pensar quantos milhares de gestores teriam tido mais facilidade durante seus mandatos caso a controvérsia tivesse sido solucionada logo no nascedouro e eles pudessem ter a possibilidade de recrutar parte do seu elenco de servidores pela CLT, e não pelo regime estatutário, que ainda por cima contrata uma despesa de longuíssimo prazo devido a fatores como a estabilidade desses novos servidores.

A decisão não acaba com o regime estatutário, nem afirma que todos os cargos do serviço público poderão ser preenchidos por contratados no regime de CLT: estados, municípios e a União terão de aprovar leis específicas estabelecendo as formas de contratação de seu quadro de servidores. A tendência é que as chamadas “carreiras de Estado”, sem equivalentes na iniciativa privada, continuem regidas pelo regime estatutário – e na maioria desses casos é até desejável que seja assim, pois para várias classes de servidores a estabilidade não é um privilégio indevido, mas uma proteção contra pressões políticas, permitindo a um funcionário público fazer bem seu trabalho seu medo de represálias do governante de plantão.

No entanto, para muitas outras carreiras a possibilidade de adoção do regime CLT, além de garantir mais liberdade ao gestor, pode ser a chave para a implementação de políticas salariais mais racionais e outras ferramentas de avaliação de desempenho que contribuam para melhorar a qualidade do serviço público. Tornou-se clássico o estudo do Ipea que apontou distorções no funcionalismo que servem como causadoras de desigualdade, como as remunerações muito mais elevadas no setor público em relação ao setor privado para as mesmas funções. Nenhum dos dois extremos é saudável: nem a criação de uma casta ineficiente e cara, que impede investimentos nos serviços a que o cidadão tem direito, nem a demonização do funcionalismo, como se todo estatutário fosse um “marajá”. A decisão do Supremo é um primeiro passo para permitir um equilíbrio que garanta a boa oferta de serviços públicos sem engessar gestões e orçamentos; que, a partir de agora, os administradores saibam usar bem a possibilidade que lhes foi concedida.

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