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Editorial

A Lava Jato e o suicídio moral do Supremo

TRF-6
Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal. (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Salvo alguma mudança de última hora na pauta do plenário, ou se os ministros dedicarem toda a tarde ao tema da CPI da Covid-19, o Supremo Tribunal Federal inicia nesta quarta-feira uma discussão crucial para o futuro da Operação Lava Jato. O plenário decidirá se mantém ou derruba a liminar do ministro Edson Fachin que, no início de março, anulou todos os processos contra o ex-presidente Lula na 13.ª Vara Federal de Curitiba, alegando que as ações deveriam ter sido julgadas em Brasília, e não na capital paranaense.

A decisão de Fachin negou toda a jurisprudência construída, afirmada e reafirmada, inclusive no Supremo, em torno da competência da 13.ª Vara. Por mais que também se possa enxergá-la como uma tentativa de salvar o que fosse possível da Lava Jato na iminência de decisões ainda piores, não deixou de ser um erro, e o maior dos golpes até então sofridos pela operação no STF. Mas este duvidoso título durou apenas algumas poucas semanas, pois no fim do mês passado a Segunda Turma da corte cometeu um absurdo ainda maior ao decidir pela suspeição do ex-juiz Sergio Moro, considerado parcial em sua atuação no processo do tríplex do Guarujá. Uma verdadeira monstruosidade jurídica, pois tal decisão se deu durante análise de um habeas corpus que tinha perdido seu objeto – ou seja, era nulo – depois que as ações contra Lula haviam sido anuladas por Fachin; além disso, a sessão ficou marcada pela também inexplicável reversão do voto de Cármen Lúcia, que em dezembro de 2018 havia votado contra a suspeição, mas mudou de ideia alegando “novos elementos” que já eram de conhecimento público quando ela havia proferido seu voto original. Foi graças a essa reversão que se formou maioria de 3 votos a 2 para declarar Moro suspeito.

Reverter tanto a liminar de Fachin sobre a incompetência da 13.º Vara Federal de Curitiba quanto a decisão da Segunda Turma sobre a suspeição de Sergio Moro é a única coisa certa a se fazer, embora seja algo improvável

O Supremo tem cometido equívocos gravíssimos em muitos campos, mas no tema do combate à corrupção podemos afirmar, com toda a certeza, que absolutamente nada em sua história mais que centenária se compara ao que o Brasil viu neste mês de março. Sete anos de trabalho incessante para desvendar o maior esquema de corrupção da história do país foram colocados a perder – pois, bem sabemos, ainda que as decisões tratem apenas de processos contra o ex-presidente Lula, se forem mantidas elas servirão de precedente para muitos outros pedidos de anulação. Isso se evidências imprestáveis não acabarem servindo para responsabilizar criminalmente os responsáveis pela Lava Jato – falamos, é claro, das supostas conversas que, mesmo obtidas por meio de crime e sem autenticidade comprovada, são usadas por ministros como Gilmar Mendes, que, de forma cínica, as chamam de “desnecessárias”, mas não perdem uma chance de citá-las fartamente nos julgamentos.

A corte teria a chance de remediar todo o estrago recente feito no combate à corrupção caso o plenário revertesse tanto a liminar de Fachin sobre a incompetência da 13.º Vara Federal de Curitiba quanto a decisão da Segunda Turma sobre a suspeição de Sergio Moro. Não há a menor dúvida de que esta é a coisa certa a se fazer, e não há nenhuma outra possibilidade que possamos considerar decente – qualquer outra solução é errada, injusta, absurda, variando apenas o grau de teratologia. No entanto, trata-se de possibilidade tão acertada quanto improvável, pois isso exigiria que o plenário derrubasse a liminar de Fachin e, separadamente, aceitasse julgar a suspeição de Moro, negando o habeas corpus da defesa de Lula. No entanto, os precedentes do STF tornam muito difícil que o plenário reexamine algo que já foi decidido por uma turma da corte. A única chance real de se anular a mais grave das injustiças, a suspeição de Moro, seria a manutenção da liminar de Fachin acompanhada da declaração da perda de objeto do habeas corpus que levou à suspeição, embora seja impossível considerar minimamente satisfatório um desfecho que anula todas as decisões proferidas em Curitiba.

Em resumo, o STF decide nesta quarta-feira se aprofunda o suicídio moral que vem cometendo há meses, levando consigo o bom combate à corrupção. A corte se afundou em uma sequência de casuísmos, formalismos, inexplicáveis reversões de voto, e na criação de um clima de perseguição contra Moro e a força-tarefa da Lava Jato, em que vale até mesmo usar evidências sem valor jurídico e julgar recursos nulos. Se o fazem intencionalmente ou não, pouco importa: fato é que os ministros vêm dando aula após aula de lawfare, usando (ou torcendo) leis, regimentos e precedentes para minar completamente qualquer esperança de vitória no combate à corrupção, passado, presente e futuro.

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