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Luís Roberto Barroso, presidente do STF
Em Roma, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, defendeu participação de ministros da corte em eventos bancados por empresas.| Foto: Antonio Augusto/STF

No último fim de semana, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, esteve em Roma juntamente com seu colega Dias Toffoli para algo que já se tornou uma tradição: a participação de membros da suprema corte brasileira em eventos para discutir o Brasil, normalmente realizados no exterior e bancados por empresas. No caso, o II Fórum Empresarial foi organizado pela Esfera Brasil e patrocinado por várias empresas, como a JBS, dos irmãos Wesley e Joesley Batista. Na ocasião, Barroso defendeu a presença de ministros do STF em tais eventos, afirmando, sob aplausos dos presentes, que as críticas não passavam de “preconceito contra a iniciativa privada”.

A afirmação já seria muito preocupante independentemente dos nomes dos patrocinadores, mas se reveste de especial gravidade quando se sabe que a JBS e pelo menos uma das outras empresas que bancaram o II Fórum Empresarial, o Banco Master, têm ações de seu interesse tramitando no STF – os processos que interessam aos irmãos Batista estão sob relatoria justamente de Barroso e Toffoli; uma ação do Master é relatada por Gilmar Mendes, que não foi a Roma. Curiosamente, o Supremo afirmou, em nota, que “não há nenhum gasto do STF com passagens e diárias de ministros”, como se isso fosse uma atenuante por não envolver dinheiro público nas viagens internacionais dos ministros, quando na verdade é uma agravante, pois esse gasto foi coberto por alguém, cuja identidade até agora é desconhecida.

Participação de ministros em eventos patrocinados por empresas, especialmente as que têm processos no STF, minam a credibilidade da corte

Não há preconceito algum em supor que uma empresa teria segundas intenções ao cobrir de mimos alguém que vai julgar uma demanda de seu interesse. E chega a ser incrível que os próprios ministros não se deem conta da situação, que os coloca em uma situação de perda total de credibilidade. Não importa se eles julgam procedentes as demandas desses patrocinadores – como fez Toffoli ao anular uma multa da J&F, dos irmãos Batista –, ou se negam os pedidos, como fez Barroso liminarmente em casos que ainda dependem de análise do plenário. Em qualquer caso, fica impossível desvincular uma coisa da outra: as decisões favoráveis serão vistas como agradecimento, e as desfavoráveis, como uma possível tentativa de demonstrar independência por parte do magistrado; os argumentos jurídicos ficam em segundo plano.

Atividades muito mais prosaicas que incluam um potencial conflito de interesse já exigem uma série de procedimentos de transparência. Um jornalista que viaja com despesas pagas ou recebe como cortesia produtos e serviços sobre os quais escreverá tem a obrigação de informar esse fato ao leitor, que usará esse dado para decidir livremente se leva a sério ou não quaisquer avaliações publicadas. Essa liberdade já nem existe no caso de uma decisão judicial: ela entra em vigor, gostem todos ou não, ou seja, tem um peso infinitamente maior que uma produção jornalística. Mas os acórdãos ou votos do STF não vêm com disclaimers informando que “o ministro autor deste voto viajou para um evento com despesas pagas pela empresa que é parte nesta ação”.

A discrição é um dever de qualquer magistrado, e ainda mais de um ministro de suprema corte. O artigo 8.º do Código de Ética da Magistratura afirma que “o magistrado imparcial é aquele que (…) evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo (…)”. A participação em eventos com despesas pagas por patrocinadores, como o de Roma e, antes deste, tantos outros; em festinhas privadas, como acabou de ocorrer com Nunes Marques na Grécia; os patrocínios privados a eventos de iniciativa dos próprios ministros, como o “Gilmarpalooza” lisboeta anual; e as inúmeras confraternizações brasilienses com políticos e advogados batem de frente com o que o Conselho Nacional de Justiça pede aos juízes. A Suprema Corte dos Estados Unidos, recentemente sacudida pela descoberta de que um de seus justices teve várias viagens de férias bancadas por um bilionário, precisou rever seu código de ética. O STF podia muito bem seguir o exemplo.

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