Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), tomada no dia 26 de junho, estabeleceu uma tese que ajudará no combate à corrupção, impedindo que investigados se apoiem em prerrogativas de outros para escapar da polícia e da Justiça – e, ainda por cima, pode restabelecer uma decisão importante em um dos maiores escândalos de corrupção da história do Paraná. Seguindo o voto do relator Edson Fachin, outros quatro ministros decidiram que o foro privilegiado dos parlamentares é pessoal, não se estendendo aos imóveis onde residem ou trabalham – incluindo as sedes do Poder Legislativo.
O plenário do STF se debruçou sobre o caso da Operação Métis, ocorrida em 2016 e que resultou na prisão de integrantes da Polícia do Senado Federal, que estariam monitorando gabinetes e residências de senadores, com o objetivo de atrapalhar a Lava Jato. Um dos policiais recorreu ao Supremo, argumentando que tal operação, por ocorrer nas dependências do Congresso, só poderia ter sido autorizada pelo próprio STF e não pelo juiz Vallisney Oliveira, da primeira instância. O relator Teori Zavascki aceitou a argumentação, ordenou a soltura dos policiais e suspendeu as investigações. O Ministério Público Federal recorreu da decisão, levando ao julgamento encerrado na semana passada.
A mera possibilidade de que uma operação encontre algo que incrimine um detentor de foro privilegiado não deveria bastar para que ela tivesse de ser autorizada por uma instância superior do Judiciário
De acordo com a decisão de quarta-feira, operações em edifícios ligados à atividade parlamentar podem, sim, ser alvo de investigações, buscas e apreensões ordenadas por juízes de instâncias inferiores, sempre que os alvos não sejam os detentores de prerrogativa de foro. Mas há uma série de nuances. No caso da Operação Métis, Fachin entendeu que a competência do Supremo tinha sido usurpada, porque havia a suspeita de que os policiais legislativos estavam agindo a mando de senadores – estes, sim, com foro privilegiado. Quanto às provas obtidas, o Supremo decidiu que escutas telefônicas em que há conversas de parlamentares devem ser anuladas. Mas outras provas, que dizem respeito apenas aos policiais investigados, poderão ser usadas em uma eventual ação contra eles, mas não contra senadores – é o caso de documentos e equipamentos de escuta apreendidos em 2016.
O entendimento adotado pelo Supremo pode ajudar a reverter uma decisão tomada pelo Tribunal de Justiça do Paraná em agosto de 2018. À época, a 1.ª Câmara Criminal da corte anulou o julgamento de dois diretores da Assembleia Legislativa, condenados a 18 anos de prisão cada um deles no escândalo dos Diários Secretos, revelado pela Gazeta do Povo e pela RPCTV. O argumento da defesa foi justamente o de que provas usadas para condenar José Ary Nassif e Claudio Marques da Silva deveriam ser anuladas, pois tinham sido colhidas durante operação no prédio da Alep, autorizada por juiz de primeira instância, e não pelo próprio TJ. O recurso do Ministério Público Estadual contra a anulação ainda não foi julgado.
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É evidente que uma operação policial realizada em dependências do Poder Legislativo, mesmo direcionada contra pessoas sem prerrogativa de foro, pode encontrar evidências que incriminem parlamentares. Mas, nestes casos, a atitude correta é simplesmente a de remeter essas provas à instância do Judiciário responsável por julgar essas autoridades, para que não haja usurpação de competência. O restante do material, desde que não envolva pessoas com foro privilegiado, pode fazer parte do conjunto probatório sem problema algum.
Como afirmamos em 2018, a mera possibilidade de que uma operação encontre algo que incrimine um detentor de foro privilegiado – em uma sede de Poder Legislativo ou fora dela – não deveria bastar para que ela tivesse de ser autorizada por uma instância superior do Judiciário. Pensar desta maneira significaria conceder foro privilegiado aos próprios edifícios, permitindo a outras pessoas cometer crimes dentro de suas dependências, crimes esses que só poderiam ser desvendados em operações autorizadas por TJs ou tribunais superiores, como se fossem cometidos pelos verdadeiros detentores da prerrogativa de foro.
O Supremo, assim, remove um obstáculo indevido ao combate à corrupção e outros crimes cometidos por pessoas que, sem ter prerrogativa de foro, usam as dependências de sedes do Poder Legislativo para suas atividades ilícitas, esperando abrigo no foro privilegiado das autoridades que ali trabalham. Que a jurisprudência estabelecida pelo STF seja seguida também no Paraná.