“É preciso parar de judicializar a política. Nós temos culpa de tanta judicialização. A gente perde uma coisa no Congresso Nacional e, em vez de a gente aceitar a regra do jogo democrático de que a maioria vence e a minoria cumpre aquilo que foi aprovado, a gente recorre a uma outra instância para ver se a gente consegue ganhar” – a frase é do presidente Lula, durante encontro com líderes partidários no fim de janeiro deste ano. Obviamente, quando se trata de Lula, palavras não valem nada, e o PT continuou a apostar na via judicial para reverter derrotas sofridas no Poder Legislativo. Mas, ao menos desta vez, o Supremo Tribunal Federal deu a resposta correta à esquerda.
O ministro Luís Roberto Barroso, vice-presidente do STF que está interinamente na presidência da corte nesta primeira quinzena do recesso judiciário, recusou um pedido de liminar feito pelo PT para que suspendesse uma assembleia geral da Copel, a empresa de energia do estado do Paraná, marcada para este dia 10. O objetivo dos petistas, na prática, é o de impedir que a privatização da estatal, aprovada em 2022 na Assembleia Legislativa paranaense, siga adiante. Entre as razões alegadas por Barroso para negar a liminar figurou até mesmo uma crítica à estratégia petista de apresentar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) às vésperas do início do recesso judiciário, quando a lei que prevê a privatização foi aprovada ainda no ano passado, e mesmo o edital convocando a assembleia que o PT pretendia barrar na Justiça foi publicado no início de junho.
A decisão de Barroso no caso da Copel precisa deixar de ser uma andorinha solitária e tornar-se o padrão
A decisão de Barroso, no entanto, é uma exceção no “conjunto da obra” recente do Supremo, que em geral ignora a advertência feita por Luiz Fux quando se tornou presidente do STF em 2020. Na ocasião, ele advertira que o Supremo vinha sendo chamado “a decidir questões para as quais não dispõe de capacidade institucional”, causando uma “transferência voluntária e prematura de conflitos de natureza política para o Poder Judiciário”, que por sua vez dava à corte um “protagonismo deletério, corroendo a credibilidade dos tribunais quando decidem questões permeadas por desacordos morais que deveriam ter sido decididas no parlamento”. Motivos para o alerta havia, e muitos: quando Fux pronunciou aquele discurso, o Supremo já havia barrado nomeações ministeriais, invadindo prerrogativa presidencial; e inventado regras para privatizações que não estavam previstas na Constituição. Tudo, claro, a pedido de partidos de esquerda.
Mesmo sob a gestão de Fux e depois dela, o Supremo continuou a dar motivos para que as legendas de esquerda seguissem buscando o Judiciário na tentativa de fazer valer as vontades que não conseguia implantar por carecer de representação popular, sendo minoria no Congresso e tendo perdido a eleição presidencial de 2018. A recusa de Ricardo Lewandowski em remover o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi exceção para uma corte que estabeleceu regras de entrada no Brasil durante a pandemia e, neste ano, alterou a Lei das Estatais para facilitar as indicações políticas que o petismo tanto ama.
Levar esse tipo de pedido ao Supremo é uma manifestação clara de desprezo pela independência entre poderes e pelos processos legislativos, mas ainda assim é parte do chamado jus sperneandi. O problema maior não é que partidos como PT, PDT, PCdoB e Rede recorram a esse expediente, mas sim que o Supremo os atenda – é isso que estimula a perpetuação da judicialização da política; se os pedidos fossem barrados como deveriam, haveria um desestímulo a essa prática. A decisão de Barroso no caso da Copel precisa deixar de ser uma andorinha solitária e tornar-se o padrão.