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Editorial

O STF a um voto de aceitar a bigamia

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Fachada da sede do Supremo Tribunal Federal. (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

(Nota da redação: o editorial foi atualizado em 30 de novembro para incluir a informação de que o julgamento foi retirado da pauta do STF)

No dia 2 de dezembro, estava previsto que o Supremo Tribunal Federal voltasse a analisar um caso que pode, na prática, legalizar a bigamia no Brasil. Serão necessários todos os votos restantes – o de Dias Toffoli, de Kassio Nunes Marques e do presidente da corte, Luiz Fux – para se reverter a atual maioria de 5 a 3 a favor do reconhecimento de duas uniões estáveis simultâneas, ainda que esse reconhecimento não seja explícito, mas disfarçado de controvérsia previdenciária. O tema acabou retirado de pauta, mas, quando for retomado, o resultado do julgamento, por ter repercussão geral, balizará todas as demais ações a respeito do mesmo tema.

O caso específico é de uma disputa por pensão iniciada no estado de Sergipe. Após o falecimento do homem com quem vivia e havia tido um filho, uma mulher conseguiu o reconhecimento da união estável e, consequentemente, o direito à pensão. No entanto, esse homem também mantinha um relacionamento homossexual, e o parceiro pleiteou o mesmo direito, que lhe foi concedido na primeira instância e negado na segunda. Os recursos chegaram até o STF, que começou a julgar o assunto em 2019.

O direito de família é um dos ramos em que o Judiciário mais contribui para fazer desmoronar o arcabouço legal, com inovações que nem a Constituição, nem a legislação infraconstitucional preveem

O relator, ministro Alexandre de Moraes, precisou explicar que o céu é azul e a grama é verde em seu voto. O Código Civil, em seu artigo 1.521, VI, impede a bigamia – que, aliás, é tipificada como crime no artigo 235 do Código Penal – ao afirmar que quem está casado não pode contrair novo matrimônio. O artigo 1.723, por sua vez, impõe para a união estável os mesmos impedimentos colocados ao casamento. E a Constituição, no artigo 226, estabelece a proteção estatal à união estável, equiparada ao casamento tanto nos direitos quanto nos deveres. Em outras palavras, assim como alguém não pode estar em dois casamentos simultâneos, também não é possível estar em duas uniões estáveis simultâneas. Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes seguiram esse entendimento.

A divergência foi aberta por Edson Fachin, alegando que este não é um caso de direito de família, mas de direito previdenciário; ele foi seguido por Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello, Cármen Lúcia e Rosa Weber. No entanto, é evidente que a questão previdenciária, aqui, deriva da aplicação dos conceitos do direito de família. Só têm direito à pensão por morte as pessoas ligadas ao falecido ou por laços de sangue (filhos, pais ou irmãos) ou por laços de união reconhecida pelo Estado, ou seja, cônjuges ou companheiros. Em resumo, se o parceiro homossexual consegue o direito de dividir a pensão, fica implícito o reconhecimento legal de uma segunda união estável do falecido, simultânea àquela que ele mantinha com a companheira.

Em seu voto, o ministro Roberto Barroso deixou claro que o caso não está restrito ao direito previdenciário e que é impossível decidir a favor do parceiro homossexual sem atropelar o direito de família. Ele alegou que a monogamia se aplica apenas ao casamento (o que já está equivocado, dada a equiparação legal entre casamento e união estável) e que a lei não proíbe ninguém que viva em união estável de manter outra união estável simultânea. Ele faz, assim, uma leitura distorcida do Código Civil, como se apenas os legalmente casados estivessem impedidos de manter uma união estável. Ainda que o legislador pudesse ter sido mais explícito no caso dos impedimentos à união estável, basta aplicar a analogia ao casamento para entender que a lei veda, sim, uniões simultâneas.

A família é a célula básica da sociedade, e o Estado tem por obrigação garantir sua proteção. Por isso, é especialmente preocupante ver que é justamente o direito de família um dos ramos em que o Judiciário mais contribui para fazer desmoronar o arcabouço legal, com inovações que nem a Constituição, nem a legislação infraconstitucional preveem. Juízes de instâncias inferiores já têm concedido diversas decisões em favor do reconhecimento de uniões poligâmicas, e foi necessária uma decisão do Conselho Nacional de Justiça, em 2018, para impedir cartórios de registrarem tais uniões. No Rio Grande do Sul, o Tribunal de Justiça do estado chegou a reconhecer uma união estável simultânea a um casamento – a situação que até mesmo Barroso havia considerado ilegal – simplesmente porque a esposa sabia do caso extraconjugal do marido; os desembargadores, assim, ignoraram a vedação do Código Civil e, ao estabelecer a anuência do cônjuge como critério para aceitar a simultaneidade de uniões, fizeram a própria convicção triunfar sobre a lei.

Nos tribunais superiores, tais loucuras jamais haviam prosperado, com o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negando direitos sucessórios ou previdenciários em caso de relações paralelas a casamentos ou uniões estáveis, mesmo quando o relacionamento extraconjugal tem longa duração. O STF, no entanto, está a um único voto de consagrar o retrocesso e negar o princípio constitucional da monogamia. A responsabilidade dos três ministros cujos votos ainda faltam é enorme.

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