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Editorial

O aparelhamento das estatais de volta ao STF

O ministro do STF Kassio Nunes Marques havia pedido vista no julgamento sobre a Lei das Estatais em dezembro de 2023. (Foto: Antonio Augusto/SCO/STF)

Um julgamento importantíssimo, que pode seguir permitindo ou finalmente voltar a bloquear um dos meios pelos quais o petismo busca se apossar do Estado brasileiro, recomeça nesta quarta-feira no Supremo Tribunal Federal. Cinco meses depois de um pedido de vista do ministro Nunes Marques, a corte volta a julgar a possibilidade de indicações de políticos com mandato ou titulares de ministérios ou secretarias, bem como de dirigentes sindicais e partidários, para postos de comando em empresas estatais. Esse tipo de nomeação estava proibido desde 2016, quando foi aprovada a Lei das Estatais, mas a porteira foi reaberta no início de 2023 pelo então ministro do STF Ricardo Lewandowski, por meio de liminar que segue vigorando até hoje.

A bem da verdade, o STF deveria ter rejeitado de imediato o pedido feito pelo PCdoB no apagar das luzes de 2022. As alterações pretendidas na Lei das Estatais para permitir a retomada das indicações políticas haviam sido aprovadas rapidamente na Câmara dos Deputados, mas a repercussão negativa fora tão grande que o Senado segurou a tramitação. Estava óbvio que se tratava de mais um dos frequentes casos em que a esquerda pretendia conseguir pela via do Judiciário aquilo que fora incapaz de conseguir no Legislativo, o locus natural desse tipo de discussão. No entanto, em vez de respeitar as prerrogativas dos poderes, Lewandowski tomou para si a missão de fazer ativismo judicial e concedeu a liminar que, desde então, permitiu a mais de 60 pessoas assumir cargos de direção ou em conselhos de administração de estatais, fora dos critérios estabelecidos na lei de 2016.

Não há nenhum tipo de vedação excessiva, desproporcional, irrazoável, muito menos qualquer “criminalização da política” nas regras presentes na Lei das Estatais

Alegando inconstitucionalidade, Lewandowski derrubou as proibições que a Lei das Estatais estabelecera à nomeação de detentores de mandato eletivo, além de ministros e secretários, para cargos na cúpula de estatais; ela também acabou com a quarentena de três anos exigida pela lei para quem tivesse sido dirigente sindical ou partidário. Mas um olhar atento – e nem é preciso ter profundo conhecimento jurídico neste caso; o bom senso já bataria – revela que a suposta inconstitucionalidade está longe de existir. Primeiro, porque é função do Legislativo definir os critérios para a ocupação de cargos na administração pública, e os exemplos são inúmeros, da Lei da Ficha Limpa às regras que exigem idade mínima e outros requisitos para pleitear um cargo eletivo.

Segundo, porque, ainda que exista a possibilidade de o Legislativo estabelecer uma regra injusta ou discriminatória que exigisse a intervenção do Judiciário, este não é nem de longe o caso da Lei das Estatais. Todas as vedações ali presentes têm o objetivo de blindar as empresas do conflito de interesses, uma praga fatal para qualquer companhia, pública ou privada. Se um presidente, diretor ou membro do Conselho de Administração trabalha dividido entre o empenho pelo sucesso da empresa e o compromisso com um projeto político ou de um grupo de pressão – isso quando não descuida totalmente daquele em benefício destes –, o desempenho da companhia corre sério risco, como o Brasil já percebeu na prática em um passado nada distante.

Não há, portanto, nenhum tipo de vedação excessiva, desproporcional, irrazoável, muito menos qualquer “criminalização da política”, expressão que a esquerda já usou contra a Lei das Estatais. A esse respeito, inclusive, é preciso lembrar que a Lei da Estatais surgiu como reação ao escândalo do petrolão, em que políticos muito reais cometeram crimes muito reais em um esquema de pilhagem de empresas administradas pelo Estado. Mas, ainda que a roubalheira na Petrobras e em outras estatais jamais tivesse acontecido, as regras legais seguiriam fazendo pleno sentido e não haveria motivo algum para derrubá-las por via judicial, ainda mais sob o argumento de uma suposta inconstitucionalidade, já que é a própria Constituição que elenca, no artigo 37, os princípios que norteiam a administração pública e lista entre eles a moralidade e a impessoalidade.

O julgamento recomeça com o placar de 1 a 1, já que André Mendonça abriu a divergência e votou pela constitucionalidade dos trechos derrubados por Lewandowski. Que os demais ministros do STF percebam o óbvio: que a Lei das Estatais não desrespeita a Constituição, pelo contrário: ela vem para que o texto da Carta Magna seja ainda mais respeitado em relação às empresas administradas pelo Estado. O aparelhamento político de estatais se tornou ferramenta importante do projeto de poder petista, mas ele é um mal independentemente da ideologia de quem realiza as nomeações. É preciso defender a lei atual como instrumento importante para conter o ímpeto de governantes que desejam colocar todo o aparato estatal a seu serviço.

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