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Editorial

O STF na briga de Lula pela reoneração

Cristiano Zanin
O ministro do STF, Cristiano Zanin, e Lula, presidente da República. (Foto: Ricardo Stuckert/PT)

Nem um pouco disposto a ouvir a voz da razão e colocar um freio à gastança, o governo federal só pensa em arrecadar mais e mais, e, para isso, não vê problemas em passar por cima até das decisões do Legislativo. Lula, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), recorreu à judicialização — tática bem conhecida pelos partidos nanicos de esquerda quando querem emplacar suas pautas — para tentar arrancar mais dinheiro do setor produtivo e dos municípios brasileiros.

Insatisfeito com o teor do projeto de lei aprovado pelos parlamentares no ano passado, que prorrogou até 2027 a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, proposta que antes de ser aprovado foi discutido durante 10 meses no Congresso, Lula recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de uma ação da Advocacia-Geral da União (AGU), contestando a constitucionalidade da lei e pedindo sua suspensão. A ação também questiona a invalidação de trecho da Medida Provisória (MP) 1.202/2023, que previa a reoneração previdenciária para municípios com até 156,2 mil habitantes.

Recorrer à judicialização para atropelar as decisões do Legislativo é coisa de gente que não sabe respeitar “as regras do jogo democrático”, como disse o próprio presidente Lula no ano passado.

Em resposta, o ministro Cristiano Zanin, indicado ao STF pelo próprio Lula, prontamente concedeu uma liminar na última quinta-feira (25) atendendo o pedido da AGU. A liminar será submetida à análise dos demais ministros do Supremo, no plenário virtual — os ministros terão até o dia 6 de maio para apresentarem seus votos. Nesta sexta-feira (26), o Congresso recorreu da decisão de Zanin.

Não é a primeira vez que Lula tenta passar por cima das decisões do Congresso sobre o tema. Inicialmente, Lula vetou integralmente a lei aprovada pelos parlamentares, mas teve o veto derrubado em dezembro do ano passado. Dias depois, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, editou a primeira MP para reonerar a folha de pagamento de 17 setores da economia e também dos municípios — o que foi entendido como uma tentativa do governo de contornar a decisão do Legislativo.

Após pressão de parlamentares e dos representantes dos setores econômicos atingidos, o Executivo desistiu de reonerar as empresas, editando em fevereiro uma nova MP, sem a menção ao setor produtivo, mas prevendo que a partir de 1º de abril a alíquota sobre a folha de pagamento cobrada dos municípios com até 156,2 mil habitantes passasse de 8% para 20%. Mas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, decidiu deixar a MP “caducar”, não a submetendo em tempo hábil à votação do Congresso e, assim, fazendo com que a proposta perdesse a validade.

A resposta de Lula, evidenciando o pouco respeito que o petista tem com o processo legislativo e o funcionamento das instituições, foi acionar o Supremo Tribunal Federal, alegando que o projeto de lei aprovado pelos parlamentares no ano passado seria inconstitucional. Na ação, a AGU usa basicamente os mesmos argumentos do veto de Lula ao projeto. O governo alega que a medida não traz a demonstração do impacto financeiro, conforme exige a Constituição, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias – o que o Congresso nega.

O governo estima que deixará de arrecadar R$ 10 bilhões anuais com a desoneração fiscal, dinheiro que poderia colocar “em risco as contas fiscais”. Mas o maior risco, na verdade, é o caráter de insegurança jurídica que se desenha, além do impacto na geração de empregos, preços ao consumidor e tarifas de transporte público e frete. As empresas já fizeram seus planejamentos tributários, e contavam com a desoneração para os próximos anos, seguindo o que previa a lei aprovada e sancionada pelo Congresso. É o que acontece em qualquer país civilizado: as empresas planejam suas ações seguindo o que legislação prevê e esperam que as leis não mudem de uma hora para outra, conforme os ânimos do governo ou do Judiciário. Não há como, intempestivamente, querer empurrar goela abaixo do setor produtivo mais um aumento de impostos totalmente imprevisto.

O súbito fim da desoneração pode até ter efeito contrário ao pretendido pelo governo, que é arrecadar mais. Para manter as contas em ordem, as empresas poderão ter de fazer uma série de demissões — e a redução no emprego formal resulta em queda de arrecadação e no aumento da despesa governamental com seguro-desemprego e outros benefícios. Ou seja, o tiro poderá sair pela culatra e, em vez de ter ainda mais dinheiro para gastar, o governo poderá ter de desembolsar mais.

Recorrer à judicialização para atropelar as decisões do Legislativo é coisa de gente que não sabe respeitar “as regras do jogo democrático”, como disse o próprio presidente Lula num encontro com governadores em janeiro do ano passado. “A gente perde uma coisa no Congresso Nacional e, em vez de aceitar as regras do jogo democrático de que a maioria vença e a minoria cumpra o que foi aprovado, a gente recorre a outra instância para ver se a gente consegue ganhar. É preciso que a gente pare com esse método de fazer política”, disse na ocasião. Lula deveria ouvir a si mesmo e começar a colocar o próprio conselho em prática.

O costume de tentar derrubar as decisões do Congresso recorrendo ao STF mina a independência e a convivência harmônica entre os poderes. O STF não tem como função agir como um legislador supremo, derrubando na base do canetaço aquilo que o parlamento decidiu para atender aos pedidos de Lula ou quem quer que seja. A rigor, é no Legislativo que as leis devem ser elaboradas e discutidas; é a decisão dos parlamentares, eleitos para representar a população em seus diversos segmentos, que deve prevalecer.

Certamente manter as contas do governo em dia é uma questão fundamental — várias vezes chamamos a atenção neste espaço para o pouco caso de Lula com o equilíbrio fiscal. Mas não há justificativa para essa agressão ao processo legislativo e falta de respeito às instituições. Como bem ponderou o senador Rodrigo Pacheco, cabe ao Congresso debater “como se aumenta a arrecadação sem sacrificar o contribuinte que produz e gera emprego, e onde nós podemos cortar os excessos de gastos públicos”. Não dá para o governo petista querer atropelar o Legislativo.

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