O Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal quase contribuíram para dificultar ainda mais o já penoso processo de recuperação da Petrobras, mas no fim prevaleceu o bom senso. Em julho, as mesas diretoras do Senado e da Câmara dos Deputados pediram ao STF que analisasse a legalidade da venda de algumas de suas refinarias, alegando que a Petrobras estaria burlando decisão anterior do STF ao transformar as refinarias em subsidiárias, cuja venda pode ocorrer sem necessidade de aval do Poder Legislativo. Como as negociações para as vendas estavam em estágio avançado, em setembro os parlamentares reforçaram o pedido para que o STF analisasse logo a questão. O julgamento em plenário virtual chegou a registrar três votos a zero contra a estatal, quando o presidente da corte, Luiz Fux, resolveu transferi-lo para a sessão ao vivo, realizada por videoconferência. Na quinta-feira, dia 1.º, o placar foi revertido, terminando em 6 a 4 a favor da legalidade das operações de venda.
Em junho de 2019, o Supremo criou uma enorme barreira às privatizações ao inventar uma regra que não constava de lei alguma: a de que a venda de qualquer empresa estatal deveria ser autorizada pelo Poder Legislativo. O argumento vencedor, do relator Ricardo Lewandowski, era o de que, se a Constituição exigia a aprovação de lei para a criação de estatais, o mesmo deveria ocorrer no momento de o Estado se desfazer delas. Além de ignorar o mais óbvio – que a obrigatoriedade do aval do Congresso não está nem na Constituição, nem nas leis infraconstitucionais, a não ser para algumas poucas estatais –, os ministros também não perceberam que, pela mesma Constituição, a ação direta do Estado na atividade econômica é exceção, e não regra. Faria sentido, portanto, exigir a permissão do Legislativo para algo que é extraordinário, mas dispensá-la quando se tratasse de simplesmente retornar à normalidade por meio da privatização, o processo pelo qual o Estado abandona essa ação extraordinária, devolvendo-a ao seu legítimo protagonista, a iniciativa privada.
As escolhas de negócio da Petrobras não deveriam estar submetidas ao crivo de conveniências políticas de congressistas
No entanto, graças a uma divergência parcial aberta por Alexandre de Moraes e que acabou vencedora, a invenção dos ministros se aplicou apenas às chamadas “empresas-mãe”; já as subsidiárias poderiam ser vendidas sem necessidade de permissão do Congresso, dispensando até mesmo a necessidade de licitação. À época, uma das interpretações desta decisão era justamente a de que ela destravaria o processo de desinvestimento da Petrobras, que havia sido interrompido por liminares do ministro Edson Fachin. Foi ele o relator do caso das refinarias. E novamente quem abriu a divergência foi Alexandre de Moraes, para quem não havia desvio de finalidade algum no procedimento adotado pela Petrobras, pois não se tratava de fatiar a empresa ou abrir mão do controle acionário, mas de dar sequência a um plano para melhorar sua atuação e garantir maior rentabilidade à estatal. Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Fux seguiram a divergência, enquanto Lewandowski, Rosa Weber e Marco Aurélio Mello acompanharam o relator.
Com dívida bruta de US$ 91 bilhões no segundo trimestre de 2020, a Petrobras vem gastando cerca de um quarto do seu caixa só para pagar juros e rolar essa dívida. Uma situação insustentável, “herança maldita” dos governos petistas que poderia sufocar a empresa até o seu fim. É preciso lembrar que o PT não depredou a Petrobras apenas por meio da roubalheira pura e simples, mostrada ao Brasil e ao mundo pela Operação Lava Jato; a estatal também sofreu graças às intervenções populistas no preço dos combustíveis, causando enormes prejuízos ao caixa para garantir a reeleição de Dilma Rousseff. Além disso, houve perdas importantes com decisões desastrosas de negócio – algumas, por pura incompetência, como a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos; outras, por camaradagem ideológica, como no caso da Refinaria Abreu e Lima, que terminou com calote da ditadura venezuelana.
O plano de desinvestimentos inclui a venda de oito das 13 refinarias da empresa, e a Petrobras ainda pode sair de ramos como os de GLP, fertilizantes, gás e biodiesel. O objetivo da estatal é levantar de US$ 20 bilhões a US$ 30 bilhões até 2024. São escolhas de negócio que não deveriam estar submetidas ao crivo de conveniências políticas de congressistas, alguns dos quais vivem presos em um estatismo ideológico, enquanto outros veem nos cargos de estatais ferramentas de compra e venda de apoio político. Apesar do placar apertado, o Supremo acertou ao deixar que tais decisões fiquem nas mãos dos executivos da companhia, empenhados em recuperar a saúde financeira da Petrobras.
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