Na quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão importante na consolidação da segurança jurídica nas relações de trabalho, ao reforçar a prevalência do negociado sobre o legislado. Embora a corte estivesse analisando o caso específico de uma empresa mineradora que contestava uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho, os ministros já haviam decidido que o resultado teria repercussão geral, ou seja, a tese vencedora acabaria aplicada a todos os demais processos em que estivesse em jogo o conflito entre o negociado e o legislado – de acordo com o próprio STF, haveria 66 mil processos paralisados, à espera dessa definição.
A Mineração Serra Grande, de Goiás, havia assinado com seus funcionários uma convenção coletiva que, em uma de suas cláusulas, liberava a mineradora de pagar o tempo relativo ao deslocamento dos funcionários de suas residências até o local de trabalho, caso a empresa se encarregasse de oferecer o transporte. A convenção havia sido assinada antes da reforma trabalhista de 2017; àquela altura, vigorava a redação do artigo 58, parágrafo 2.º, da CLT, segundo o qual “o tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução”. Por isso, o acordo foi invalidado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 18.ª Região, decisão confirmada pelo TST; a mineradora, então, buscou o Supremo, alegando violação do inciso XXVI do artigo 7.º da Constituição Federal, segundo o qual “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”.
A prevalência do negociado sobre o legislado, consagrada no artigo 611-A da CLT, introduzido pela reforma trabalhista, veio para dar mais autonomia e segurança a ambos os lados da relação de trabalho
Ao fim, venceu o voto do relator, Gilmar Mendes, para quem “deve ser privilegiada a norma coletiva de trabalho, desde que os temas pactuados não sejam absolutamente indisponíveis”, uma referência àqueles direitos que estão expressamente previstos na Constituição, ou em tratados e convenções internacionais que foram recepcionados pela lei brasileira, ou em normas infraconstitucionais que tratam de garantias mínimas de cidadania aos trabalhadores; é o caso do artigo 611-B da CLT, que lista uma série de assuntos que não podem ser flexibilizados por acordo. Ou seja, um acordo coletivo que suprima, por exemplo, o adicional noturno, o descanso semanal ou as férias anuais é claramente ilegal; mas, em diversos outros pontos – e a questão das chamadas “horas in itinere” se inclui neste rol, apesar da redação da CLT que vigorava quando da assinatura da convenção coletiva –, o que os empregados definirem de comum acordo com a empresa tem peso superior ao estabelecido pela legislação.
O voto de Mendes foi seguido por André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Dias Toffoli e Carmen Lúcia. A divergência ficou por conta de Edson Fachin e Rosa Weber. Ela – que a única, entre todos os membros do Supremo, a ter feito carreira na Justiça do Trabalho – apontou que os altos índices atuais de desemprego têm enfraquecido os sindicatos e levado a acordos desfavoráveis aos trabalhadores. No entanto, o argumento deixa subentendida uma primazia da circunstância sobre o princípio. De fato, hoje o momento é ruim para os trabalhadores, mas nem sempre foi assim – em 2010, por exemplo, em um cenário econômico radicalmente diferente do atual, 95,8% das negociações salariais terminaram com reajustes acima da inflação, o chamado “ganho real”. Novas épocas de crescimento econômico e baixo desemprego permitirão a empregados negociar em termos muito mais favoráveis. Defender que o negociado prevaleça sobre o legislado apenas quando o acordo beneficia um lado é uma postura casuísta. E os sindicatos, em qualquer momento, continuam a ter o importante papel de mediar negociações e orientar seus representados – a decisão final, no entanto, sempre deve refletir a vontade dos interessados diretos nas decisões tomadas, os trabalhadores.
A reforma trabalhista de 2017 (esta, que Lula agora quer revogar, ou ao menos “revisar”) tinha duas finalidades importantes. A primeira era a de permitir maior flexibilização em contratos formais, com a permissão para novas modalidades de trabalho; seu efeito na geração de emprego, no entanto, dependia também do desempenho geral da economia, um fator ignorado quando a esquerda ataca a reforma trabalhista alegando que ela “não gerou empregos”. A segunda finalidade era a de garantir maior segurança jurídica para patrões e empregados, reduzindo a judicialização e a subjetividade que marcava a atuação de certos setores da Justiça e do Ministério Público do Trabalho. A prevalência do negociado sobre o legislado, consagrada no artigo 611-A da CLT, introduzido pela reforma, veio justamente para dar mais autonomia e segurança a ambos os lados da relação de trabalho; a confirmação deste princípio pelo Supremo vem em boa hora.
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