Após criar a dificuldade, o Supremo entregou a facilidade. É assim que se deve entender uma decisão recente da corte, que por 9 votos a 2 considerou a legislação já existente desde a década de 1990 como suficiente para permitir a privatização da maioria das estatais, atenuando o efeito de uma decisão bastante equivocada de junho de 2019 e que colocava em risco qualquer ambição privatizante, deste ou de qualquer outro governo futuro.
Em 2018, o ministro Ricardo Lewandowski atendeu a pedidos de entidades sindicais e, em liminares, condicionou qualquer privatização à permissão do Congresso, por meio da aprovação de um projeto de lei. No ano seguinte, as liminares foram confirmadas de forma quase unânime pelo plenário, com a ressalva de que subsidiárias não necessitariam de tal autorização. Os ministros, assim, inventaram uma regra inexistente na Constituição, que em seu artigo 173 exige a aprovação de uma lei apenas para se criar uma estatal, mas não para vendê-la, pois a própria Carta Magna, no mesmo artigo, define como excepcional a participação direta do Estado na atividade econômica.
A decisão do STF resolve o problema prático, embora continue prevalecendo uma visão de fundo estatista que é bastante prejudicial à liberdade econômica
A lógica é simples: faz sentido que seja preciso aprovar uma lei para se criar uma situação extraordinária, mas não para que se restaure a normalidade. Mas, em 2019, apenas o ministro Roberto Barroso percebeu a obviedade, ficando sozinho ao afirmar que “para desinvestir, não vale a mesma regra que vale para criar”, ou seja, que não era necessária lei alguma para privatizações, com exceção daquelas empresas explicitamente citadas na legislação, caso das gigantes Petrobras, Eletrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica e Correios.
À época, o governo tentou minimizar o efeito da decisão considerando que o Congresso já tinha aprovado uma lei sobre privatizações, a Lei 9.491/97, que por sua vez havia alterado a Lei 8.031/90, pela qual foi criado o Programa Nacional de Desestatização. Assim, bastaria ao Poder Executivo, por meio de decretos, incluir novas empresas e estaria satisfeita a exigência criada pelo STF. Mas era certo que tal estratégia levaria a nova judicialização, e foi o que fez o PDT, que buscou o Supremo pedindo que a corte deixasse muito claro que a privatização de cada estatal precisaria de uma lei específica, alegando que essa exigência constava da Constituição – o que é obviamente falso, bastando a leitura do artigo 173 para se perceber o equívoco.
A relatora desta nova ação, ministra Cármen Lúcia, considerou que a lei “genérica” do PND, aprovada em 1990 e modificada em 1997, já era suficiente para cumprir a exigência. Naquelas ocasiões, segundo a ministra, o Congresso já havia decidido e aprovado a privatização como política pública, estabelecendo os parâmetros dentro dos quais o Poder Executivo poderia se mover para realizar as vendas que desejasse. Ela foi seguida por oito colegas; apenas Lewandowski e Edson Fachin mantiveram sua posição de 2019 segundo a qual cada privatização precisaria de uma lei específica referente à empresa cuja venda era pretendida.
É uma solução de acomodação. A partir da leitura correta da Constituição, a conclusão óbvia era a de que privatizações não exigiriam lei alguma, nem específica nem genérica. Mas aceitar esse fato exigiria reverter a decisão de 2019 – e que tinha contado com o apoio da própria Cármen Lúcia. Para que tal reversão fosse desnecessária, o plenário considerou suficiente a lei que já existe. Resolve-se o problema prático, embora continue prevalecendo uma visão de fundo estatista que é bastante prejudicial à liberdade econômica.
Está devidamente retirado, portanto, um obstáculo para que o governo federal finalmente avance com suas propostas de privatização. Das promessas extremamente otimistas de início de governo passou-se a uma letargia que desanimou o ex-secretário Salim Mattar, privatista convicto e que, após sua saída, deixou claro que a desestatização tem muitos inimigos em Brasília. Só a coragem de enfrentar esses inimigos conseguirá desmontar o “Estado-empresário” que suga esforços da administração federal e, muitas vezes, recursos do contribuinte.
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