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O senador Sergio Moro, em sessão da CCJ realizada em 5 de junho de 2024.
O senador Sergio Moro, em sessão da CCJ realizada no início de junho.| Foto: Saulo Cruz/Agência Senado

O senador Sergio Moro (União Brasil-PR) escapou da cassação do mandato em uma situação rara em que um tribunal superior fez a coisa certa em um caso de repercussão nacional, mas isso não significava que a perseguição política contra o ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro de Jair Bolsonaro tivesse acabado. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, aceitou denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República e tornou Moro réu do crime de calúnia, supostamente (e, repetindo o que afirmamos neste espaço ontem a propósito de outra investigação, coloque-se suposto nisso) cometida contra o ministro do STF Gilmar Mendes.

Em abril de 2023, circulou pela internet um vídeo curtíssimo, de menos de dez segundos, em que Moro, aparentemente participando da brincadeira junina da “cadeia”, em que o alvo precisa pagar um valor para ser “libertado”, afirma, rindo, que “isso é fiança, é instituto, pra comprar um habeas corpus do Gilmar Mendes”. A vice-procuradora-geral da República à época, Lindôra Araújo, ofereceu denúncia por calúnia, alegando que Moro imputava “falsamente [a Gilmar Mendes] o crime de corrupção passiva”, com as agravantes de crime cometido “contra funcionário público, em razão de suas funções” e “na presença de várias pessoas”, conforme os incisos II e III do artigo 141 do Código Penal. A PGR pediu que Moro fosse condenado a pagar indenização ao ministro e a perder o mandato caso fosse condenado a mais de quatro anos de prisão.

A denúncia da PGR era completamente inepta, por vários motivos. Embora o vídeo não trouxesse informações de data, o contexto da festa junina indicava claramente que seria anterior à diplomação de Moro em 2022, e neste caso a denúncia teria de ser oferecida não ao STF, mas à primeira instância, já que a jurisprudência do próprio STF indica que a prerrogativa de foro vale apenas para crimes cometidos no exercício do mandato e relacionados a ele. Além disso, a mesma jurisprudência, ao lado da melhor doutrina jurídica, afirma que o crime de calúnia exige detalhamento, não bastando afirmações genéricas: no caso em tela, seria preciso que Moro dissesse que sentença específica o ministro teria “vendido”. E, para coroar o festival de absurdos, a denúncia também atropelou a jurisprudência e a melhor doutrina sobre liberdade de expressão, que protegem as afirmações feitas em tom de brincadeira, formalmente chamado animus jocandi, algo que se pode depreender facilmente do vídeo em questão.

No entanto, como a única jurisprudência que o STF respeita ultimamente é aquela segundo a qual a jurisprudência e a doutrina não valem absolutamente nada, a relatora Cármen Lúcia viu “indícios suficientes para receber denúncia”, afastando a imunidade parlamentar (o que nem estava sendo discutido, pois quando o vídeo foi gravado Moro nem senador era), e sendo seguida por Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Flávio Dino e Cristiano Zanin. Para a relatora, há “presença de autoria e materialidade”; quanto à autoria, de fato é Sergio Moro quem aparece no vídeo; mas, para encontrar qualquer materialidade que enseje uma denúncia por calúnia, é preciso distorcer demais a realidade. Brincadeiras podem ser insensatas, podem não ter graça, mas não são crime.

Moro, portanto, está prestes a ser julgado por um tribunal que jamais deveria estar analisando esta denúncia – e, por ainda, será julgado por colegas da suposta vítima –, por um crime que certamente não cometeu, e sujeito a uma pena completamente desproporcional. Tudo, ressalte-se, por uma simples brincadeira. Riem, com toda a certeza, os adversários de Moro, aqueles que fizeram da vingança contra o ex-juiz sua razão de viver, os que não perdem uma chance de criticar a ele e à Lava Jato por “excessos” jamais comprovados. Mas, para o resto do país, esta perseguição não passa de uma piada sem a menor graça.

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