A legalidade e a moralidade estão passando por maus dias no Brasil. Depois de termos assistido à cassação injusta e descabida da candidatura de Deltan Dallagnol pelo TSE – com o apoio da mesa diretora da Câmara dos Deputados que covardemente não contestou a decisão – agora foi a vez de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tomar mais uma decisão totalmente equivocada em relação ao ex-promotor e à própria Operação Lava Jato. Sem levar em conta a lógica e os fatos, a corte preferiu não atender ao recurso apresentado pela defesa de Dallagnol e, por 6 votos a 5, manteve decisão anterior permitindo que o Tribunal de Contas da União (TCU) cobre de Dallagnol a devolução aos cofres públicos R$ 2,8 milhões, relativos a passagens e diárias dos procuradores da Lava Jato.
Trata-se de um caso chocante, conduzido totalmente ao arrepio dos fatos e da legalidade, que precisa ser relembrado. Após representação apresentada por parlamentares do PT e do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU), o TCU abriu um processo para investigar o pagamento de diárias e passagens aos procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, entre eles, Deltan Dallagnol, e pediu o ressarcimento do montante de R$ 2,8 milhões. Ora, o próprio MPTCU, após levantar informações sobre o caso, chegou à conclusão de que não havia nada que apontasse haver irregularidades no modelo de gestão da operação, e nem responsabilidade de Deltan em relação às diárias, e pediu o arquivamento da ação. Igualmente o órgão da área técnica do TCU, a Secretaria de Controle Externo da Administração do Estado (SecexAdministração) apresentou parecer reafirmando que não houve ilegalidade.
O que se viu na atuação do TCU contra Dallagnol e os antigos integrantes da Lava Jato nem de longe pode ser chamado de Justiça.
Como bem ressaltou a defesa de Dallagnol, não foi ele o responsável pela criação da força-tarefa, que coube a Rodrigo Janot. E por uma questão de hierarquia, não poderia autorizar o pagamento das diárias ou passagens. Mas nada disso foi levado em consideração pelo TCU, em especial pelo relator da ação, ministro Bruno Dantas, conhecido por ser aliado político de Renan Calheiros e amigo de Lula – em janeiro deste ano o presidente fez questão de chamar Dantas de “companheiro especial”. Ele também é um dos principais cotados para a vaga de Rosa Weber no STF.
A defesa de Dallagnol recorreu à 6ª Vara Federal no Paraná, conseguindo uma liminar suspendendo o processo no TCU, decisão que foi mantida pela presidência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Em junho de 2022, porém, a União pediu ao STJ que suspendesse a liminar, argumentando que a medida impediria o “exercício legítimo das atribuições constitucionais e legais por parte do TCU”. O argumento foi aceito pelo ministro do STJ, Humberto Martins, que determinou a retomada do andamento do processo no TCU.
Após a decisão do STJ, em agosto de 2022, a Segunda Câmara do TCU, condenou o ex-procurador Deltan Dallagnol, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e o ex-chefe do Ministério Público Federal (MPF) no Paraná, João Vicente Beraldo Romão, a pagar R$ 2,8 milhões como ressarcimento por passagens e diárias de membros da força-tarefa da Lava Jato – um gasto que os ministros consideraram irregular, contra todas as evidências e pareceres apresentados durante o processo.
Dallagnol recorreu da decisão do STJ, mas na última semana a corte manteve o entendimento anterior, desfazendo a esperança de que a Justiça, por fim, prevalecesse. Votaram para negar o recurso os ministros Humberto Martins, Francisco Falcão, Mauro Campbell Marques, João Otávio de Noronha, Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira. Já a relatora e presidente do STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura, votou para acatar o recurso da defesa do ex-procurador. Acompanharam o entendimento da relatora os ministros Nancy Andrighi, Herman Benjamin, Raúl Araújo e Ricardo Villas Bôas Cue.
Cobrar o uso zeloso do dinheiro público é um dever dos órgãos de controle como o TCU. Cabe a esses tribunais – compostos por indicados do Congresso Nacional e do presidente da República –, analisar contas de entes públicos e, no caso de irregularidades, determinar sanções e medidas para ressarcir o erário. Mas em nenhuma hipótese isso pode ser feito negando-se os fatos e pareceres técnicos. O que se viu na atuação do TCU contra Dallagnol e os antigos integrantes da Lava Jato nem de longe pode ser chamado de Justiça.
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