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Presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson foi preso nesta sexta-feira (13) pela Polícia Federal.| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O novo inquérito abusivo do Supremo Tribunal Federal, o das “milícias digitais” – abusivo porque, assim como o inquérito das fake news, nasceu de ofício, sem provocação da Procuradoria-Geral da República ou de autoridades policiais, sem objeto definido, e no qual o STF se porta como vítima, investigador e juiz –, acaba de provocar sua primeira baixa: o ex-deputado Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, preso preventivamente na manhã desta sexta-feira por ordem do ministro Alexandre de Moraes.

Embora Jefferson esteja sendo acusado de fazer parte de um grupo criminoso que tem o objetivo de desestabilizar a democracia brasileira, a própria leitura da decisão de Moraes parece indicar que, mais uma vez, estamos diante de um “crime de opinião” ou, no máximo, de ofensas que deveriam gerar responsabilização diferente, em outro foro. Afinal, um dos primeiros aspectos a se lembrar é que, além de todas as características peculiares do inquérito propriamente dito e que fazem dele uma aberração jurídica, Jefferson não é detentor de foro privilegiado. As eventuais ofensas cometidas por ele deveriam ser investigadas e julgadas na primeira instância, não no Supremo Tribunal Federal.

O Supremo começa a consolidar uma perigosíssima jurisprudência que consolida a existência, no Brasil, de “crimes de opinião”

E a coleção de citações elencadas por Alexandre de Moraes como justificativa para ordenar a prisão preventiva torna ainda mais excêntrica a decisão do ministro. É necessária uma boa dose de malabarismo jurídico para classificar como ameaças à democracia brasileira insinuações sobre a sexualidade de políticos, insultos racistas contra o embaixador chinês no Brasil, críticas a decisões pontuais do Supremo – como a soltura do traficante André do Rap e a proibição de operações policiais nos morros cariocas – e a defesa do impeachment de dez ministros do STF. Mesmo a interpretação completamente equivocada do artigo 142 da Constituição Federal; a defesa do voto impresso auditável porque, do contrário, haverá frande eleitoral; ou afirmações como a necessidade de um “pescoção” em senadores, de “botar fogo no Tribunal Superior Eleitoral”, estão ditas mais em tom de bravata que de real incitação a qualquer atitude extrema por parte da população.

Tanto foi assim que a Procuradoria-Geral da República se manifestou contrariamente à aplicação da prisão preventiva, por entender que “a prisão representaria uma censura prévia à liberdade de expressão, o que é vedado pela Constituição Federal”. O “conjunto da obra” de Jefferson soma atitudes perfeitamente abrigadas pela liberdade de expressão garantida constitucionalmente (caso, por exemplo, da defesa do impeachment de ministros do STF ou de críticas a decisões da corte) e manifestações que qualquer pessoa de bom senso considerará bastante deploráveis; muitas delas, no entanto, não são sequer dirigidas aos ministros da corte, muito menos têm qualquer potencial supostamente “desestabilizador da democracia” brasileira. Ora, para estes casos há o caminho habitual de acionar a primeira instância para que investigue eventuais crimes contra a honra – calúnia, injúria e difamação. A prisão preventiva dentro de um inquérito abusivo como o das “milícias digitais” soa completamente desproporcional.

O Supremo começa a consolidar uma perigosíssima jurisprudência que consolida a existência, no Brasil, de “crimes de opinião”. E o faz porque não vê no horizonte nenhuma instituição capaz de “vigiar os vigilantes”, na expressão do poeta romano Juvenal. O aval da Câmara à prisão do deputado Daniel Silveira, em violação completa das garantias constitucionais dadas aos parlamentares, parece ter mostrado aos ministros do Supremo, especialmente o relator Alexandre de Moraes, que eles terão passe livre para promover ou endossar – como fez recentemente Gilmar Mendes no caso da quebra de sigilo da produtora Brasil Paralelo – qualquer tipo de abuso contra críticos da corte. Por mais lamentáveis que sejam as palavras de Roberto Jefferson – e muitas delas efetivamente o são –, não se pode atropelar as instâncias normais de responsabilização ou exagerar o sentido dessas palavras; fazê-lo é usar o combate a uma suposta defesa do arbítrio para cometer arbitrariedades reais.

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