Quando as conveniências políticas dão lugar à análise técnica, objetiva e imparcial, muitas injustiças têm a possibilidade de serem corrigidas. É o que acaba de ocorrer na primeira instância da Justiça Federal no Paraná, que suspendeu a condenação imposta pelo Tribunal de Contas da União (TCU) ao ex-procurador Deltan Dallagnol, que foi coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato no Ministério Público Federal. “Manifestas e abundantes” ilegalidades: esta foi a expressão usada pelo juiz Augusto César Pansini Gonçalves, da 6.ª Vara Federal de Curitiba, para descrever o processo que terminou com uma surreal decisão unânime, tomada em menos de cinco segundos, e que obrigava Dallagnol, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e o ex-chefe do MPF no Paraná João Vicente Beraldo Romão a ressarcir os cofres públicos em R$ 2,8 milhões, correspondentes a passagens e diárias pagas a membros da força-tarefa de forma supostamente irregular.
Dallagnol, Janot e Romão foram julgados por um colegiado composto por dois ministros denunciados ao STF no âmbito da Lava Jato (Antonio Anastasia e Aroldo Cedraz), um ministro citado em delações premiadas e que fora alvo de operação da Polícia Federal (Augusto Nardes) e um ministro relator, Bruno Dantas, que foi apadrinhado pelo senador Renan Calheiros e não faz a menor questão de esconder sua amizade com o principal investigado e réu da Lava Jato, o ex-presidente, ex-presidiário e ex-condenado Lula. A condução do processo por Dantas, de acordo com o juiz Pansini Gonçalves, foi marcada por uma série de condutas que violaram o direito à ampla defesa: Dallagnol, por exemplo, não teve a chance de apresentar provas periciais, e foi responsabilizado por fatos que não constavam inicialmente no processo, no que o juiz chamou de “decisão-surpresa”.
O destino natural de um processo como o aberto contra Dallagnol seria o arquivo, a lata do lixo. Mas estes não são tempos normais, e sim os tempos da “vingança dos corruptos”
O que mais saltou aos olhos, no entanto, foi o completo desprezo, da parte de Dantas, pelo trabalho diligente realizado pela área técnica da própria corte de contas, que demonstrou não ter havido o menor indício de ilegalidade ou irregularidade – nem mesmo desperdício de recursos ocorreu, de acordo com a farta documentação apresentada pela Procuradoria-Geral da República e analisada pela Secretaria de Controle Externo da Administração do Estado (SecexAdministração) do TCU. A evidência em favor de Dallagnol, Janot e Romão era tão avassaladora que o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU), coautor da representação que disparou a investigação ao lado da bancada petista no Congresso, passou a pedir o arquivamento do processo. Segundo Rodrigo Medeiros de Lima, procurador do MPTCU, Dallagnol nem poderia ser responsabilizado, pois gerenciar os gastos da força-tarefa não era sua atribuição; se houvesse algo errado, quem deveria responder seria apenas Janot, mas também o ex-procurador-geral agiu com zelo, na avaliação de Medeiros de Lima.
O destino natural de um processo como este, portanto, seria o arquivo, a lata do lixo. Mas estes não são tempos normais, e sim tempos do que o ministro do STF Luís Roberto Barroso chamou de “vingança dos corruptos”: trata-se de inverter os papéis, criminalizando (ou ao menos desmoralizando) todos aqueles que agiram com firmeza no combate à corrupção, investigando e julgando a ladroagem, enquanto os protagonistas dos grandes esquemas são todos transformados em pobres vítimas de uma suposta perseguição política. Uma perseguição que, na verdade, jamais existiu, e a longa história da Lava Jato bem o demonstra, com sua enorme coleção de evidências coletadas para expor ao país como funcionou o petrolão.
A decisão do juiz Pansini Gonçalves restaura a justiça, mas ainda é cedo para a comemoração definitiva. O mesmo magistrado havia determinado liminarmente a suspensão do processo, no início de junho; a decisão foi respaldada pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, mas caiu pelas mãos do então presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins – cujo filho foi citado em uma delação premiada, denunciado e tornado réu na Lava Jato, e que já abriu um inquérito abusivo (depois arquivado) contra Dallagnol e outros membros da força-tarefa. Que desta vez prevaleça a verdade, e não o afã de perseguição contra quem tanto se empenhou em combater a corrupção no país, dentro da legalidade, sem “abusos” nem “excessos”.
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