O Senado aprovou, na última semana, um projeto de lei que limita em 30% ao ano a taxa de juros que os bancos poderão cobrar no cartão de crédito e no cheque especial. Rodeada de boas intenções, a ideia tem mais efeitos colaterais negativos do que vantagens para a sociedade.
O projeto ainda precisa ser votado pela Câmara, o que permite que seus riscos fiquem mais claros no debate público. O tabelamento, como vêm argumentando as instituições bancárias e operadores de cartão, tirará o acesso ao crédito para milhões de brasileiros. Com a limitação imposta pelo Estado, os bancos dariam acesso a esses serviços apenas aos clientes com perfil de baixo risco de crédito.
A crítica ao projeto do Senado, no entanto, não é uma chancela de que o mercado de crédito no Brasil funciona perfeitamente. Os juros elevadíssimos em algumas linhas, como cartões e cheques, são uma anomalia complexa, fruto de uma combinação de fatores. Ao custo de captação e de operação dos bancos soma-se a carga tributária, a dificuldade de recuperação de créditos, a alta concentração do mercado bancário e o que os economistas chamam de “assimetria de informações” entre quem toma e quem concede o crédito.
Os juros elevadíssimos em cartões e cheques são uma anomalia complexa, mas um tabelamento mal calculado pode retirar dos correntistas o acesso a esses produtos
O Banco Central e o Conselho Monetário Nacional (CMN) vêm tomando medidas para lidar com as distorções que elevam os juros dessas linhas de crédito. Em janeiro, começou a valer uma regra que limita em 8% ao mês os juros do cheque especial e, ao mesmo tempo, permite a cobrança de tarifas pelo crédito não utilizado. Um dos pontos mais ressaltados pelo BC ao anunciar a regra foi justamente a assimetria de informações – com uma população pouco acostumada a cálculos financeiros, a demanda pelo cheque especial é pouco influenciada pela taxa de juros.
A resolução do CMN que estipula o limite no cheque especial foi feita a partir de um estudo que identificou as razões para a manutenção dos juros elevados. Uma delas é o fato de os bancos terem custo para manter ativos os limites de crédito. Por isso, a norma permite a cobrança por esse limite – o que, na prática, permitiria às instituições financeiras reduzirem esse custo. Ao mesmo tempo, buscou-se um limite que lidasse com a ineficiência trazida pela assimetria de informações.
No mercado de cartões de crédito, o Banco Central também atuou com a criação de um parcelamento a juros mais baixos a partir do primeiro mês de uso do crédito rotativo. Aqui, a ideia da autoridade monetária foi acelerar a negociação de uma dívida cara por outra mais barata, sem tirar a liberdade do mercado em precificar os juros.
- O teto de juros do cheque especial (editorial de 4 de dezembro de 2019)
- É correto taxar o cheque especial? (artigo de Maurice Kattan e André Kamkhaji, publicado em 28 de dezembro de 2019)
- O Banco Central acertou com a mudança das regras do cheque especial? (artigo de Eduardo Coutinho, publicado em 16 de dezembro de 2019)
O projeto votado no Senado carece desse tipo de análise. Sua justificativa é o barateamento do crédito por causa das dificuldades econômicas trazidas pela pandemia. Mas, ao criar o tabelamento, seu efeito pode ser justamente o contrário: retirar dos correntistas o acesso a esses produtos financeiros. No caso do cartão de crédito, outro efeito colateral possível é a maior restrição nas vendas parceladas feitas pelo comércio – instrumento que no Brasil se tornou de uso comum e cujo custo ainda precisa ficar mais claro para o consumidor.
Existem outras frentes nas quais os reguladores estão atuando para aumentar a competição e reduzir o risco de crédito. Aprovado recentemente, o cadastro positivo ainda deve melhorar a análise de crédito e permitir uma melhor alocação de taxas de juros. Além disso, o BC quer permitir que fintechs com modelos inovadores de negócios possam se estabelecer sem o peso de toda a regulação do setor. Esse modelo é chamado de “sandbox regulatório”.
Os bancos e as operadoras de cartões vão apresentar à Câmara uma proposta de regulação para lidar com distorções que não estão contempladas no projeto do Senado. Pode entrar em discussão, por exemplo, um modelo para contornar o parcelamento sem juros no cartão. É prudente que o Congresso escute essa proposta e chame os órgãos reguladores para uma discussão que leve ao menor engessamento possível do mercado. No longo prazo, saídas voluntariosas como um tabelamento mal calculado levam à escassez na oferta e ao crescimento de mercados paralelos.