De tudo o que vem sendo feito em todas as esferas de poder para desconstruir a Operação Lava Jato, anular seus resultados, criminalizar os que a conduziram e garantir que nunca mais algo semelhante ocorra no Brasil, poucas ações ou decisões desafiam tanto o bom senso, a lógica e a lei quanto uma notificação recentemente enviada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) ao ex-procurador Deltan Dallagnol, que coordenou a força-tarefa da Lava Jato. Nela, a corte de contas pede que ele devolva aos cofres públicos R$ 2,8 milhões relativos a passagens e diárias de procuradores durante o andamento das investigações do petrolão, em um processo aberto após representação do Ministério Público junto ao TCU (MPTCU) e, para a surpresa de absolutamente ninguém, da bancada do Partido dos Trabalhadores.
O relator do processo, ministro Bruno Dantas, ignorou o parecer da Secretaria de Controle Externo da Administração do Estado (SecexAdministração) do próprio TCU, que “registrou não ter identificado indícios contundentes de desvio de finalidade ou de outras irregularidades nos valores gastos no âmbito da Lava Jato”, como admite o ministro em um despacho datado de novembro de 2021 que ordenava a apuração e detalhamento dos valores gastos. Em vez disso, Dantas optou por uma crítica ao modelo de força-tarefa e, apesar da recomendação da SecexAdministração para que o processo fosse arquivado, seguiu adiante na tentativa de responsabilizar os procuradores; em abril, ele votou pela abertura de processo de Tomada de Contas Especial, sendo seguido pelos outros membros da Segunda Câmara do TCU.
No combate ao crime, os órgãos dele encarregados precisam fazer as escolhas mais eficientes, ainda que não necessariamente sejam as mais baratas. O modelo de força-tarefa escolhido pela PGR para a Lava Jato se mostrou acertadíssimo
Para justificar o ataque à Lava Jato, Dantas afirma em seu voto que “faltaram estudos que avaliassem outras alternativas e demonstrassem tecnicamente que esse modelo de gestão era o que melhor atendia ao interesse público”, mas que “tem razão o Ministério Público de Contas ao asseverar que a opção adotada pela Procuradoria-Geral da República não representou o menor custo possível para a sociedade brasileira” e que “não é crível que seria impossível promover medidas mais aderentes ao princípio da economicidade na escolha do modelo de força-tarefa”. Ou seja, estamos tratando de uma conclusão que deriva de premissa inexistente: se não há estudos (nem da PGR, nem do MPTCU) sobre o custo de “outras alternativas”, como pode o MPTCU “asseverar” que os gastos foram indevidos? Assevera-se com base em quê? Apenas na intuição dos perseguidores, para quem seria suficiente afirmar que “não é crível” que a força-tarefa não pudesse ter economizado. Como se não bastasse, ainda que não tivesse sido o responsável por autorizar as despesas, Dallagnol está sendo cobrado em R$ 2,8 milhões sem que a notificação explique qual a sua responsabilidade nos gastos e qual seria a irregularidade cometida.
Por fim, é preciso questionar que isenção têm os membros da Segunda Câmara para determinar a abertura de processo contra os procuradores da Lava Jato. Afinal, o relator Dantas, conforme amplamente divulgado pela imprensa, foi um dos convidados do jantar oferecido pelo grupo Prerrogativas, de advogados anti-Lava Jato, em homenagem ao ex-presidente, ex-presidiário e ex-condenado Lula, no fim de 2021. Apenas isso já é bastante grave, mas os colegas de câmara de Dantas têm ainda mais “contas a acertar” com a Lava Jato. Tanto Antonio Anastasia quanto Aroldo Cedraz foram denunciados ao Supremo no âmbito da operação (as denúncias foram rejeitadas) – o filho de Cedraz chegou a ser preso na 45.ª fase da Lava Jato, em 2017. O nome de Augusto Nardes apareceu em delações premiadas, e o ministro foi alvo de operação da Polícia Federal. Ainda que nada disso possa configurar impedimento legal, é evidente que a proximidade do relator com o protagonista do esquema desvendado pela Lava Jato e o fato de os outros três ministros terem sido, em algum momento, alvos da operação (ainda que não necessariamente da parte da força-tarefa de Curitiba) desqualifica moralmente a todos eles.
É evidente que os enormes resultados da Lava Jato, inclusive os financeiros, em termos de dinheiro devolvido aos cofres públicos, não justificam gastos exorbitantes; o poder público pode e deve zelar pelo bom uso do dinheiro do contribuinte. Mas é preciso deixar bem claro que, no combate ao crime, os órgãos dele encarregados precisam fazer as escolhas mais eficientes, ainda que não necessariamente sejam as mais baratas. O modelo de força-tarefa escolhido pela PGR para a Lava Jato se mostrou acertadíssimo. O megaesquema petista para sua perpetuação no poder por meio do saque a estatais, em conluio com empreiteiras e partidos da base aliada, era altamente intrincado, repleto de ramificações. Algo dessa ordem de grandeza jamais seria desvendado em detalhes se não tivesse sido possível reunir especialistas no tipo de crime que estava sendo combatido e mantê-los em um regime de dedicação exclusiva às investigações. Obviamente, para que os membros do MP mais capacitados a essa tarefa pudessem desenvolver a contento seu trabalho, gastos com viagens e hospedagem eram necessários.
Ainda que se argumente que teria sido possível montar uma força-tarefa gastando menos, seria preciso que os acusadores demonstrassem como teria sido possível fazê-lo. Isso não ocorreu, pois o próprio relator admite não haver estudos a esse respeito. E se, apesar dessa admissão, o TCU exige ressarcimentos milionários de quem nem mesmo chegou a assinar as autorizações para as despesas, não há outra palavra a usar a não ser “perseguição”. No ritmo atual, não surpreenderá se, mais adiante, o TCU determinar de uma vez que o dinheiro seja enviado diretamente à coordenação da campanha de Lula ao Planalto, como forma de “indenizar” o petista...
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