Manter a mobilização popular é importante, mas nenhuma pessoa sensata deseja transtorno, vandalismo e hostilidade contra as instituições

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Em pouquíssimo tempo, os protestos de rua que começaram semanas atrás já passaram por diversas fases. Depois do início tumultuado, da violência policial, das grandes manifestações com dezenas de milhares de pessoas e do ressurgimento do vandalismo, já é possível pensar em um momento de amadurecimento. Um gigante acordado, por si só, pouco pode fazer quando ele não sabe ao certo como vai passar o resto do seu dia.

As manifestações despertaram algo extraordinário no brasileiro; ele superou uma apatia que já era considerada uma triste característica da nossa população, habituada a ver nas grandes questões públicas um problema "para os outros resolverem" e a esperar tudo de um Estado que, por décadas, acostumou mal os cidadãos por meio de um paternalismo que não via coloração ideológica. Para muitos, as passeatas foram um reencontro com a cidade, o espaço público que passa a ser visto como próprio, e não como uma "coisa de ninguém" pela qual não se é responsável. As conquistas obtidas pelos manifestantes – desde a revogação de aumentos nas tarifas do transporte coletivo até a rejeição da PEC 37 – mostraram que é possível, sim, obter resultados quando se vai às ruas. Esse é um ímpeto que não pode arrefecer, mas precisa amadurecer. E isso pode ser feito de várias maneiras.

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Já se observa, por exemplo, uma tentativa de superar o "contra tudo isso que está aí", escolhendo determinadas pautas para as manifestações. Houve uma tentativa de consolidar parte das reivindicações nos chamados "cinco objetivos" (rejeição da PEC 37, caracterização da corrupção como crime hediondo, saída de Renan Calheiros da presidência do Senado, investigação das obras da Copa do Mundo e fim do foro privilegiado para os parlamentares), alguns dos quais já foram atingidos ou estão em via de sê-lo. Outras passeatas têm enfocado apenas um tema específico, como a de quarta-feira, em Curitiba, que foi um ato contra o deputado Marco Feliciano (PSC-SP). São manifestações que não reuniram os grandes números verificados nos protestos da semana passada e oferecem, assim, um dilema: o que é melhor, reunir uma multidão em que cada um é sua própria passeata, ou ter objetivos numéricos mais modestos, mas com todos centrados em uma causa específica e concreta? A segunda opção coloca um desafio instigante a organizadores e militantes: convencer cada vez mais pessoas da importância de sua plataforma.

A pauta menos difusa ajuda a dissipar um dos grandes temores relativos às manifestações de rua, preocupação essa que a Gazeta do Povo já registrou neste mesmo espaço: os protestos, de forma alguma, podem se tornar um ato de rebeldia contra as instituições democráticas. O "contra tudo isso que está aí" pode facilmente se transformar em uma contestação dirigida às instituições, em vez das pessoas que as ocupam. Pedir a renúncia de Renan Calheiros é uma coisa; outra, muito diferente, seria questionar a própria existência do Congresso. É uma pena que alguns políticos, como o senador Cristovam Buarque, tenham sugerido a dissolução dos partidos em resposta a um suposto clamor das ruas, quando na verdade o "sem partido" gritado pelos manifestantes buscava impedir que as legendas usassem os protestos de maneira oportunista.

Outro perigo, no entanto, segue presente: o vandalismo, que mostrou sua cara feia em Curitiba no dia 21, quando o Centro Cívico foi destruído, e segue fazendo estragos em outras capitais. Mesmo que não sejam capazes de impedir completamente as depredações, os próprios manifestantes têm muitos meios de coibir a ação dos vândalos. Manifestações durante o dia facilitam a identificação de eventuais agressores, bem como a atitude, já sugerida nas mídias sociais, de sentar-se quando se percebe algum ato de vandalismo. Ao evitar passar por prédios públicos, os organizadores desestimulariam aqueles que veem na depredação uma forma legítima de protesto político.

Manter a mobilização popular é importante, mas nenhuma pessoa sensata deseja transtorno, vandalismo e hostilidade contra as instituições. A melhor maneira de conciliar esses objetivos é o exercício daquela responsabilidade cuja importância já ressaltamos em ocasiões anteriores. Responsabilidade no nível das ideias, para promover uma agenda de respeito à democracia, identificando e rechaçando plataformas que representem uma agressão às instituições; e responsabilidade no nível mais prático, para saber recuar caso a cidade passe a pagar um preço alto demais pelos protestos, como pagou no dia 21. O bom senso é a chave que estimulará a manutenção desse exercício saudável da cidadania.