O chavismo já não é mais o mesmo. Nas eleições parlamentares ocorridas no último domingo, o Partido Socialista Uni­­do da Venezuela (PSUV), de Hugo Chá­­vez, conquistou a maioria das cadeiras, mas, desta vez, não chegou aos dois terços suficientes para que as medidas propostas pelo presidente venezuelano sejam aprovadas sem o saudável embate dos congressistas. Aliás, o partido só obteve a maioria das cadeiras porque uma manobra mudou a lei no ano passado, promovendo uma redistribuição de distritos que privilegiou a representação de áreas em que o chavis­­mo tem mais força. O que fez a diferença no resultado eleitoral não foi o comportamento da restrita classe média do país, há muito inconformada com a nefasta política de cerceamento às liberdades imposta por Chávez. Desta vez, o PSUV foi abandonado por um eleitorado que cos­­­­tumava se render com facilidade ao populismo de resultados: os imensos bolsões de po­­breza infiltrados na capital, Caracas, e onipresentes no interior venezuelano.

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O voto na Venezuela é espontâneo. Uma característica que os bolivarianos costumam invocar para mostrar ao mundo uma liberalidade que é apenas aparente. O voto livre foi sempre bem aproveitado por Chávez em seu projeto de perpetuação de poder. Com parte da reduzida oposição neutralizada pela inação, bastava distribuir cestas básicas e benesses do gênero para convencer os mais pobres a comparecer em massa às urnas. Desta vez, o enredo não funcionou como o esperado. A gratuidade na oferta dos transportes públicos e a insistência dos carros de som convocando os eleitores contribuíram para chamar o eleitor. Mas, com a inflação disparada, a escassez de produtos no varejo e a decadência dos serviços públicos, os beneficiários do assistencialismo já não se sentiram presos ao senso da gratidão, sentimento comumente usado para manipular eleitores nos regimes populistas. A maioria foi votar, mas não necessariamente em prol da Revolução Bolivariana. Na outra ponta, os descontentes de longa data passaram da mera queixa à atitude e compareceram às urnas. Não era sem tempo. Circulando pela Venezuela – por estradas malconservadas, diga-se – fica difícil crer que se trata de um país com renda per capita superior a US$ 3.500. Altamente concentrada, a riqueza do petróleo só chega ao povo sob a forma de benefícios paternalistas. E não traz consigo a liberdade fundamental para que a sociedade possa se desenvolver.

Nesse cenário, a mudança na resposta popular é bem-vinda. Ainda que seja pelo descalabro econômico – decorrente tanto da má gestão quanto da inabilidade na condução de parcerias comerciais, notadamente com a vizinha Co­­lômbia – os venezuelanos mudaram de atitude. Em condições normais, com a democracia funcionando plenamente, esse resultado poderia levar a outro, mais esperado: a alternância de poder na eleição presidencial prevista para 2012. A questão é que a Venezuela não está sendo go­­vernada sob o signo da democracia. Sim, há eleições. Há uma Constituição – esta modificada ao sabor dos interesses de ocasião de Chávez. Mas faltam duas características essenciais para o Es­­tado de Direito. A liberdade é restrita. Não é permitido criticar ou questionar o governo. Ainda menos nos meios de comunicação. Pior: o Exe­­cutivo subjuga os demais poderes.

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Para os venezuelanos, o momento é de alerta máximo. A mudança na composição do Le­­gis­­lativo pode levar o país a novos rumos. Mas também pode despertar a fúria de Hugo Chávez. Os primeiros sinais de irascibilidade estão presentes em suas recentes declarações. "Eu os desafio. Como dizem que são a maioria, convoquem um referendo. Por que esperar outros dois anos para se livrar de Chávez?", disse ele numa entrevista coletiva na noite de segunda-feira. "Ve­­nham me pegar! Estou aqui... Se não, vejo vocês em 2012", afirmou Chávez ao saber dos resultados eleitorais.

Mais que esperança, a palavra de ordem para os venezuelanos agora é vigilância.