Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
editorial

Tenebrosas transações em Brasília

Está em curso uma “operação abafa”, também conhecida como forno de pizza. Consiste na costura de num provável acordo por meio do qual os “inimigos” Dilma Rousseff e Eduardo Cunha salvarão suas próprias peles. E quem se dedica a fazer o papel de pizzaiolo é ele mesmo – o ex-presidente Lula.

Enrolado até a medula com as denúncias de que seria um dos beneficiários de propinas do petrolão, diligentemente depositadas em contas secretas na Suíça, o presidente da Câmara Federal corre o risco de ser levado à cassação do mandato de deputado se não conseguir evitar o andamento do processo na Comissão de Ética da Casa por infração ao decoro parlamentar. Não exatamente porque recebeu propinas e as escondeu em bancos estrangeiros, mas porque mente ao negar os dois fatos e protestar inocência, apesar das provas já exibidas pelo Ministério Público suíço, acatadas pela Procuradoria-Geral da República e remetidas ao Supremo Tribunal Federal (STF). Sem o mandato, Cunha perderia o foro privilegiado e estaria nas mãos da equipe do juiz Sergio Moro, dos procuradores do Ministério Público e da Polícia Federal.

Teria quase 50% da bancada do PT simplesmente se distraído e deixado passar a chance de assinar um documento que poderia ser o início do fim daquele que até ontem era o inimigo número 1 do PT?

Fiel a seu estilo, Cunha usa o ataque para se defender. Sua arma principal: depende dele dar início a um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. E, apesar de três liminares do STF que impedem provisoriamente que seja adotado o rito explicado por Cunha em setembro, ele mantém o mesmo poder de propor o início do processo – um novo desgaste político que o governo precisa ver evitado, já que, dado o estado de generalizada insatisfação com os rumos do país, guarda em si enorme potencial para chegar ao pior dos mundos para a presidente Dilma e para a hegemonia do PT no poder da República.

Então, por que não fazer alguma coisa para que todos se salvem? A tarefa foi dada a Lula, o mais habilidoso dos articuladores. Os sinais de sua atuação já são visíveis. Um dos sintomas de que a pizza já está sendo montada pode ser encontrado no fato de que quase metade dos 64 deputados petistas não subscreveu o pedido de cassação do mandato de Eduardo Cunha protocolado pela Rede Sustentabilidade e pelo PSol. Teria quase 50% da bancada do PT simplesmente se distraído e deixado passar a chance de assinar um documento que poderia ser o início do fim daquele que até ontem era o inimigo número 1 do PT? Ou a omissão pode significar que, para boa parte do partido, não convém tirar o sossego de Cunha – uma bandeira branca para sinalizar que, em troca, espera-se que ele contenha seus ímpetos contra a presidente? O fato de o próprio presidente do PT, Rui Falcão, ter se empenhado em arrefecer o ânimo do “fora Cunha” dentro da legenda nos dá uma pista sobre a resposta correta.

A maneira de que Cunha pode se valer está contida no próprio receituário que ele tem à disposição. O peemedebista pode até dar início ao processo de impeachment, como quer a oposição, mas, ao mesmo tempo, instruir seus fiéis seguidores na Câmara, especialmente os da numerosa bancada do seu partido, o PMDB, a votar contra e derrubar a iniciativa. Ou seja: ele poderá matar dois coelhos com uma só cajadada, pois, ao mesmo tempo em que mantém a aura combativa que agrada aos que defendem o impedimento de Dilma, atende os interesses de Dilma e Lula.

Sem entrar no mérito das questões que põem em xeque os mandatos da presidente da República e do presidente da Câmara, sobra uma constatação constrangedora: enquanto os grandes se entendem à sorrelfa para sobreviver ao naufrágio, os únicos da perder são o Brasil e os brasileiros, que ficam sem ver suas figuras públicas respondendo pelos eventuais crimes que cometeram.

Para consolo geral, porém, apesar dos conchavos de bastidores, as instituições continuam firmes e fortes: a Operação Lava Jato permanece ativa, o Ministério Público cumpre seu papel, o Tribunal de Contas da União não esmorece na fiscalização de pedaladas (e, agora, se dedicará a analisar as irregularidades cometidas já em 2015) e a imprensa séria investiga e denuncia. São estes, ainda, os alicerces da esperança de que a impunidade não prevalecerá – já que de alguns dos graúdos hábeis em manejar cordéis pouco de construtivo se pode esperar.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.