Após um evento com segurança reforçadíssima e que por pouco não prestigiou parte do que há de pior em termos de América Latina – o ditador venezuelano Nicolás Maduro estava convidado, mas não veio –, Luiz Inácio Lula da Silva inicia seu terceiro mandato na Presidência da República. Em um país com uma vida política normal e um Judiciário ciente de seu papel, alguém com duas condenações em segunda instância estaria cumprindo pena, em vez de ter seus processos anulados em nome de interpretações absurdas tiradas da cartola pela suprema corte, tornando-se um ficha-limpa e tendo sua candidatura tratada por boa parte da opinião pública como a coisa mais normal do mundo, ou algo até mesmo desejável. Mas, como dissemos na noite de 30 de outubro neste espaço, o Brasil é “um país cuja história política é pródiga em bizarrices”, e Lula está de volta ao Palácio do Planalto.
Naquela mesma ocasião, afirmamos que “o que se espera é que o petista faça um bom governo; se ele governar mal, todos os brasileiros sofrerão as consequências, independentemente de quem tenham escolhido, e o Brasil não merece o retorno aos tempos de crise econômica, social e moral vividos até não muito tempo atrás”. Seguimos com este desejo, que é mais um desejo pelo bem do Brasil que pelo bem de Lula ou do petismo. Mas também dissemos que, “para que Lula e o PT façam uma boa gestão, terão de renegar tudo o que o partido defende historicamente tanto em termos econômicos quanto sociais”, e estes dois meses transcorridos desde o segundo turno mostram que os petistas não estão dispostos a abrir mão de seu ideário, ainda que ele tenha arrasado o Brasil econômica e moralmente entre 2003 e meados de 2016.
Os dois meses transcorridos desde o segundo turno mostram que os petistas não estão dispostos a abrir mão de seu ideário, ainda que ele já tenha arrasado o Brasil no passado recente
No campo econômico, a escolha de Fernando Haddad para o Ministério da Fazenda, uma série de falas do novo ministro e do próprio Lula, e a tramitação da PEC fura-teto (ainda que aprovada em termos mais modestos que a insanidade pretendida por Lula) já são mostras suficientes de que o ajuste fiscal não é prioridade do governo que entra. O necessário combate à pobreza e à fome servirá, mais uma vez, de justificativa para a erosão da credibilidade brasileira junto a investidores por meio da gastança desenfreada, por mais que hoje saibamos que uma economia arrumada é o melhor meio de fomentar a geração de emprego e renda. A indicação da emedebista Simone Tebet para o Planejamento – um “prêmio de consolação” para quem pretendia a pasta do Desenvolvimento Social – pouco ajuda; se ela demonstrar um perfil mais fiscalista, deve tender a perder todas as quedas de braço com a ala gastadora da equipe econômica, assim como ocorreu na passagem de Joaquim Levy como ministro da Fazenda de Dilma Rousseff.
No campo moral, outras indicações ministeriais demonstram que o também necessário combate ao preconceito, em suas diversas facetas, acabará subordinado às tentativas de imposição de políticas identitárias que só acirrarão as divisões na sociedade brasileira, o “nós contra eles” que Lula soube implantar tão bem quando foi presidente pela primeira vez. Acirramento que, aliás, o petismo já incentiva ao tratar praticamente como criminosos muitos dos brasileiros que escolheram Jair Bolsonaro na eleição de outubro e continuam manifestando seu descontentamento com a volta de Lula ao poder. A pacificação da sociedade é algo que definitivamente não está no horizonte do novo governo.
Dentro dessa perspectiva de erosão moral, a questão da corrupção é um capítulo à parte. O episódio da mudança na Lei das Estatais deixou evidente a intenção do petismo de restaurar as condições que tornaram possível a depredação da Petrobras e outras empresas em esquemas de corrupção. Felizmente, a aprovação a toque de caixa na Câmara causou tamanha revolta que o Senado não deu sequência à tramitação, deixando o projeto para a próxima legislatura – que será bem mais hostil a Lula que a composição mais recente da casa.
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É no Congresso, aliás, que está parte da esperança de que o estrago prometido pelo PT não se concretize ou seja ao menos atenuado. Mesmo com a tentativa de trazer partidos como o MDB e o União Brasil para a base aliada, oferecendo ministérios, Lula terá significativa oposição parlamentar. Bastam dois quintos de votos contrários em qualquer uma das duas casas para que emendas à Constituição não passem, por exemplo; dependendo do tema em pauta, é possível até mesmo que o governo não consiga nem a maioria simples necessária para aprovar projetos de lei. Mas os futuros oposicionistas ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que a oposição parlamentar só terá energia para resistir ao rolo compressor petista se sentir o respaldo das dezenas de milhões de brasileiros que não votaram em Lula.
O povo brasileiro – fazendo-se ouvir nas ruas e nas mídias sociais – e o Congresso já foram capazes de interromper desastres capitaneados pelo PT. Foi assim, por exemplo, com o PNDH3 lulista, quando a repercussão popular forçou recuos nas partes mais tresloucadas do documento; ou quando o clima de insatisfação geral com o PT demonstrado nas ruas levou o Congresso a investigar e punir os crimes de responsabilidade cometidos por Dilma Rousseff – que foram reais e estão devidamente documentados, ao contrário do que dizem os que ainda hoje falam no “golpe de 2016”. Não há motivos para acreditar que este roteiro não possa ser repetido.
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