| Foto: Guilherme Britto/Presidência da República

A Constituição e as instituições brasileiras estão diante de um novo teste. A delação de Joesley Batista, dono da JBS, uma das maiores empresas de alimentos do mundo, abalou a posição do presidente Michel Temer, acusado de dar seu aval a Batista para que mantivesse a compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha, em uma conversa no Palácio do Jaburu em março, além de indicar o deputado paranaense Rodrigo Rocha Loures para facilitar interesses da empresa. Tanto Loures quanto o senador Aécio Neves – também citado na delação, homologada nesta quinta-feira pelo Supremo Tribunal Federal – já foram afastados pelo STF. Mesmo apoiadores de Temer chegaram a considerar sua situação insustentável e pediram sua saída: um terremoto de grandes proporções em um momento no qual a economia parecia dar sinais de melhora e as reformas, bem ou mal, caminhavam no Congresso.

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Dada a gravidade do assunto, foi providencial a decisão do ministro Edson Fachin de levantar o sigilo de todos os textos e áudios relacionados à delação para que se pudesse avaliar a veracidade das acusações. E, uma vez divulgadas as gravações, instalou-se a controvérsia, pois a acusação de obstrução de Justiça, com a compra do silêncio de Eduardo Cunha, não fica clara apenas pela conversa entre Temer e Joesley. O já célebre “Tem que manter isso, viu?” dito por Temer não é precedido de nenhuma confissão explícita de pagamentos a Cunha para que ele se mantenha calado. Fala-se, sim, de pressões do ex-deputado, e o ex-ministro Geddel Vieira Lima também é mencionado. Dados os personagens, provavelmente não se trata de assuntos muito republicanos. Mas a literalidade da conversa, de forma isolada, não permite tirar conclusões definitivas; é preciso investigar melhor seu contexto.

É extremamente grave que um presidente da República passe a ser investigado por atos cometidos no exercício do cargo

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Ainda assim, as gravações contêm muito material comprometedor para Temer. Batista confessa a ele, sem pudor nenhum, que infiltrou um procurador na Operação Lava Jato para que fornecesse informação e livrasse o empresário e a JBS de maiores problemas, em troca de dinheiro. O presidente a tudo ouve sem levantar a menor objeção e, ao que parece, sem ter tomado nenhuma atitude posterior, o que constituiria prevaricação. Também há indícios de tráfico de influência quando Temer e Joesley conversam sobre o acesso da JBS ao BNDES, banco de fomento, e ao Cade, órgão de defesa da concorrência. É neste contexto que aparece a menção a Rocha Loures. E o próprio fato de Temer receber Joesley a altas horas da noite, e não no horário normal de expediente, não ajuda o presidente.

“A investigação pedida pelo Supremo Tribunal Federal será território onde surgirão todas as explicações. E no Supremo demonstrarei não ter nenhum envolvimento com estes fatos”, afirmou Temer no pronunciamento em que descartou a possibilidade de renúncia. De fato, as denúncias merecem investigação para que se defina sem dúvida que conhecimento e conivência Temer eventualmente tinha em relação a crimes praticados por Joesley Batista e outros personagens desta trama.

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É extremamente grave que um presidente da República passe a ser investigado por atos cometidos no exercício do cargo. É nessas horas que a tentação de soluções momentâneas e populistas precisa ser contida em nome do respeito à Constituição e às instituições. Se as investigações apontarem para a participação do presidente da República nos esquemas de corrupção, os caminhos possíveis já estão determinados pela Carta Magna, tanto no trâmite ao qual o presidente deve ser submetido quanto nas regras para sua eventual substituição. A hora pede firmeza, mas não precipitação; e, acima de tudo, que se evite a tentação de inovações populistas que fogem do marco institucional já estabelecido.