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Sabe-se há décadas que a educação nacional, em todas as áreas, não é das melhores. Do ensino infantil à pós-graduação, o sistema educacional brasileiro patina desastrosamente, como comprovam, de tempos em tempos, as avaliações feitas com nossos estudantes. Um desses testes internacionais, o TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study, ou Tendências em Estudos Internacionais de Matemática e Ciências), cujos resultados relativos a 2023 foram divulgados este mês, colocou o país entre os piores do mundo quando o assunto é matemática.
O TIMSS avalia estudantes do 4º e do 8º ano do ensino fundamental de mais de 50 países. No exame de matemática para estudantes do 4º ano do ensino fundamental, o Brasil terminou na 55ª posição entre 58 países, atrás de nações como Irã e Uzbequistão. Do total de alunos avaliados, apenas 49% atingiram 400 pontos, patamar de quem consegue somar e subtrair números de até três dígitos e aplicar conceitos iniciais de geometria. Os outros 51% não foram capazes de atingir esse nível. A média internacional foi de 503 pontos.
Sem conhecimentos em matemática, incapazes de lidar com números e operações básicas, como alerta o TIMSS, como as futuras gerações serão capazes de lidar com as próprias finanças, pensar de forma lógica ou resolver problemas?
Pior ainda foi o desempenho dos estudantes brasileiros do 8º ano do ensino fundamental. O Brasil ficou no penúltimo lugar, só ultrapassando Marrocos, com 378 pontos e atrás de países como Irã, África do Sul e Malásia. A média internacional foi de 478 pontos. A proficiência dos alunos em ciências também foi avaliada. Nessa disciplina, o Brasil se saiu um pouco melhor, mas ainda muito atrás no ranking, ficando em 51º, entre 58 países, no 4º ano; e em 33º lugar entre 42 países no 8º ano.
Tamanho desastre não tem uma única causa. Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que há vários fatores envolvidos, incluindo a desmotivação dos próprios pais e familiares em cobrar melhor qualidade no ensino e se envolver diretamente no acompanhamento do que é ensinado às crianças – no Brasil, de acordo com a Constituição, a responsabilidade pela educação é compartilhada pelo Estado e pela família. Mas a família nem de longe é o fator fundamental para o baixo desempenho dos estudantes brasileiros. Esse papel cabe ao Estado e aos governos, que têm se mostrado pouco efetivos na busca por uma educação realmente de qualidade.
Os pífios resultados dos estudantes brasileiros no TIMSS apontam para um problema estrutural – o Brasil não sabe como ensinar nem o que ensinar às crianças e jovens. A crença de que o problema seria apenas o ensino público é uma mentira: mesmo tendo um desempenho um pouco melhor, os alunos de escolas privadas igualmente foram mal no TIMSS. A baixa qualidade da educação é um problema generalizado e uma das grandes lacunas é a formação de professores. Cursos de licenciatura são cada vez menos procurados pelos jovens, sendo vistos como segunda, terceira ou quarta opção na hora de definir uma graduação. Na prática, isso significa que boa parte dos estudantes de licenciatura consegue entrar na faculdade com pouco esforço – mesmo com notas mínimas, a aprovação no vestibular acontece por conta da baixa ou nenhuma concorrência.
Aos que entram nas universidades, outro problema: o país não sabe como formar bons professores. Boa parte das grades curriculares das licenciaturas é meramente teórica, com pouco espaço para a prática de ensino, essencial para a formação de qualquer professor. A ideologização excessiva do ambiente universitário – que afeta não apenas os cursos de licenciatura – também interfere na formação dos professores brasileiros. Matéria da Gazeta do Povo de 2022 já tinha mostrado o crescimento de grupos de pesquisa e de disciplinas dentro das licenciaturas de matemática voltadas exclusivamente para discussão política – e nada científica –, inclusive questões de gênero. O resumo deste cenário é que os estudantes que concluem a graduação saem totalmente despreparados para enfrentar os desafios das salas de aula.
A falta de planejamento adequado, currículos fracos e pouco exigentes, materiais didáticos inadequados e o engessamento das políticas públicas de educação, com pouco espaço para inovação e busca de alternativas, e o corporativismo dentro do próprio sistema educacional ajudam a manter o estado precário da educação nacional. Hoje, as diretrizes curriculares nacionais são definidas pelo governo federal, que tem dado pouca atenção a estratégias de melhoria da qualidade do ensino como um todo, priorizando, em vez disso, o nivelamento por baixo. Na proposta do governo federal para o Plano Nacional de Educação (PNE), que vai nortear as políticas públicas de educação para os próximos 10 anos, por exemplo, há a menção à meta de “garantir a qualidade da educação”, mas nada é dito sobre como isso poderá ser efetivamente alcançado ou quais seriam os critérios dessa qualidade. Em todo o documento, a preocupação maior parece ser o nivelamento entre os estudantes, de modo que todos concluam cada etapa de ensino dentro da idade regular, o que não está diretamente relacionado à qualidade do ensino nem ao nível de aprendizado de cada estudante.
O Brasil precisa urgentemente de um sistema educacional de qualidade, capaz de formar estudantes com excelência acadêmica e humana, que leve o país em direção ao desenvolvimento social e econômico e não mais a um projeto de manutenção do atraso, que prioriza o discurso político em vez do domínio da ciência. Sem conhecimentos em matemática, incapazes de lidar com números e operações básicas, como alerta o TIMSS, como as futuras gerações serão capazes de lidar com as próprias finanças, pensar de forma lógica ou resolver problemas? A educação, o domínio da ciência, das tecnologias e dos processos de produção são elementos centrais para a obtenção do desenvolvimento econômico e social, muito mais até do que a posse de riquezas naturais. Sem uma educação realmente de qualidade, estamos fadados a nos manter na posição ingrata de país do futuro que nunca chega. É hora de colocar a educação em primeiro plano.