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Editorial

Tiro pela culatra

Com o orçamento apertado, incapaz de conseguir um superávit primário minimamente digno do nome, o governo federal insistiu em realizar ainda neste ano o leilão da frequência de 700 MHz para a telefonia 4G. O Tribunal de Contas da União até tentou colocar um freio no processo, mas não foi suficiente para atender o pedido das operadoras, que pretendiam adiar o leilão para o ano que vem: falou mais forte a necessidade de fazer caixa em Brasília – "Estou contando com os R$ 8 bilhões este ano", tinha dito o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, tempos atrás, dando uma ideia da importância que os 700 MHz tinham para um governo que cada vez mais depende de receitas extraordinárias para fazer o dever de casa.

As operadoras de telefonia têm interesse nos 700 MHz: as antenas dessa frequência têm alcance maior que as de 2,5 GHz (frequência em que o 4G é oferecido hoje no Brasil), reduzindo custos de instalação e manutenção. Além disso, o sinal de 700 MHz funciona melhor em locais fechados que o de 2,5 GHz. Talvez por isso o governo imaginasse que conseguiria leiloar as frequências com o ágio esperado. O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, garantia que as quatro grandes operadoras brasileiras estariam brigando pelos lotes; o presidente da Anatel, João Rezende, dizia em setembro que haveria até estrangeiros interessados no leilão.

Pois a pressa do governo teve resultados opostos às expectativas. O leilão ocorreu no fim de setembro e não foram apenas os estrangeiros que deixaram de lado a oportunidade: a Oi, uma das quatro grandes companhias que já operam no Brasil, também não participou, alegando justamente a possibilidade de que a frequência só estivesse liberada para o 4G a partir de 2019, ou seja, demoraria muito para a companhia reaver os pesados investimentos que teriam de ser feitos. No fim, dos seis lotes – três nacionais e três regionais – colocados em leilão, dois não tiveram interessados. O valor mínimo para cada lote nacional era de R$ 1,947 bilhão e, com três operadoras disputando três faixas, não foi difícil imaginar o resultado. Claro e TIM pagaram exatamente o lance mínimo pelos seus lotes; a Vivo/Telefónica arrematou o seu por R$ 1,948 bilhão. A Algar Telecom pagou apenas R$ 100 mil acima do lance mínimo pelo seu lote regional.

Resultado: o saldo foi de R$ 5,87 bilhões, bem menos que os R$ 8 bilhões esperados. Bom para as teles, que ainda terão de gastar com a "limpeza" da frequência – hoje ela é ocupada por canais de televisão analógica e digital, que terão de ser removidos (no caso dos analógicos) ou mudar de frequência (no caso dos digitais); as operadoras dividirão a conta de cerca de R$ 3,6 bilhões, que também inclui a compensação dos canais analógicos (obrigados a atualizar seu equipamento para entrar na era digital), além da compra de filtros e conversores para beneficiários do Bolsa Família e de antenas para casas onde o sinal sofrer interferência do 4G. No dia 30, Paulo Bernardo até falou em "sucesso", mas também disse que "do ponto de vista do Tesouro, é negativo que a arrecadação tenha sido menor (...) do ponto de vista do Ministério das Comunicações, não vamos desenvolver o setor como queríamos".

O acesso cada vez maior aos serviços de telefonia móvel por parte da população exige mais investimentos, e a ocupação da frequência de 700 MHz teria de vir, mais cedo ou mais tarde. Mas o governo não respeitou o timing dos investimentos das operadoras e de um processo complicado como é a migração da televisão analógica para a digital. Se tivesse alguma responsabilidade no campo fiscal, poderia ter trabalhado o tema com a prudência necessária; agora, paga o preço da pressa – e teles, emissoras de televisão e usuários correm o risco de ter de dividir essa fatura.

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