Dias Toffoli em sessão da Segunda Turma do STF: ministro anulou condenações de Leo Pinheiro, da OAS, um dos principais delatores da Lava Jato.| Foto: Gustavo Moreno/STF
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Em sua missão de transformar o Brasil em um país cronicamente inviável, o Supremo Tribunal Federal não gasta todos os seus esforços em uma única frente. Ao lado da destruição sistemática das liberdades e garantias fundamentais, como a liberdade de expressão, o devido processo legal e o direito à ampla defesa, existe também a demolição completa do bom combate à corrupção, invertendo a história, criminalizando os agentes do Estado que se esforçaram por anos para colocar corruptores e corruptos na cadeia, e transformando os protagonistas da ladroagem em vítimas. Se no primeiro caso o principal responsável pelo desmonte das liberdades é o ministro Alexandre de Moraes, quem tem se incumbido, nos últimos meses, da missão de fazer do Brasil o paraíso da impunidade é seu colega Dias Toffoli.

Na sexta-feira passada, Toffoli deu sequência ao seu revisionismo histórico da Operação Lava Jato quando anulou, monocraticamente, todas as condenações impostas a Leo Pinheiro, ex-presidente da empreiteira OAS. O empresário tinha sido um dos principais delatores da Lava Jato – foram as informações fornecidas por ele, por exemplo, que ajudaram o Ministério Público a levantar o conjunto probatório que resultaria na condenação de Lula por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá, condenação esta confirmada por unanimidade na segunda instância e no Superior Tribunal de Justiça, antes que fosse anulada pelo STF, em 2021.

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O Brasil sabe que, no combate à corrupção, não pode contar com seu principal tribunal, sempre pronto a desfazer tudo de correto que as instâncias inferiores tiverem porventura realizado

Para quem se perguntar no que Toffoli se baseia desta vez para livrar o ex-presidente da OAS, a resposta é a mesma de sempre: na sua vontade de supremo ministro, e em mais nada. As supostas mensagens trocadas entre membros da força-tarefa da Lava Jato e o então juiz Sergio Moro jamais tiveram sua autenticidade comprovada, mas isso não importa; se Toffoli decidiu que elas são autênticas, e que descrevem um “conluio” entre Moro e os membros do MPF, assim será. O acordo de delação firmado por Leo Pinheiro foi feito com a Procuradoria-Geral da República, e não com a força-tarefa do MPF em Curitiba, mas isso não importa; Pinheiro continua sendo uma “vítima” dos procuradores ainda assim.

Foi desta forma, sempre transformando as próprias ilações em evidência irrefutável, que Toffoli já tinha livrado outras peças-chave do petrolão, como Marcelo Odebrecht, além de outras empresas “amigas do rei”. É totalmente inverossímil que uma empreiteira das dimensões da Odebrecht, capaz de contratar os melhores advogados do país, pudesse ser forçada a assinar um acordo de leniência que ainda por cima lhe trazia vários benefícios, mas não importa; para Toffoli, houve coação, e pronto. A cooperação internacional que levou a força-tarefa aos dados das planilhas de propina foi perfeitamente legal, e a integridade dos sistemas foi atestada pela Polícia Federal, mas não importa; inventa-se uma ilegalidade qualquer, e a prova é descartada. A esposa de Toffoli advoga para a J&F, mas não importa; alega-se um contorcionismo processual qualquer e uma multa milionária da empresa é anulada.

E, quando se trata do combate à corrupção, já se pode dar como certo que as decisões de Toffoli gozam do mesmo status dado pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso, aos abusos de Moraes: representam o “sentimento coletivo” da corte – se não de toda ela, ao menos de uma maioria suficiente para validar todo o desmonte. Se assim não fosse, não teríamos tido todas as anulações de processos por puro formalismo, como no caso dos prazos idênticos para entrega de alegações finais de delatores e delatados; e muito menos o mensis horribilis de março de 2021, que começou com Edson Fachin anulando monocraticamente todos os processos de Lula, e terminou com a declaração de suspeição de Moro. Para que não fique dúvida a esse respeito, no início de setembro, a Segunda Turma do STF manteve a decisão de Toffoli que beneficiou Marcelo Odebrecht com os votos de Toffoli, Gilmar Mendes e Nunes Marques.

Impossível ter esperança de que os corruptores e corruptos voltem a ter medo do braço da lei no Brasil quando a principal corte do país age desta forma. Com o desmonte completo da Lava Jato e o desestímulo a quaisquer outras operações de combate à corrupção no futuro, o Brasil sabe que não pode contar com seu principal tribunal, sempre pronto a desfazer tudo de correto que as instâncias inferiores tiverem porventura realizado. Só o que nos restará é o tribunal da memória: por mais que Toffoli queira reescrever a história, é preciso que haja muitos brasileiros dispostos a não deixar morrer a verdade sobre a Lava Jato, sobre a pilhagem que o Brasil sofreu no petrolão, sobre os agentes que gastaram anos desvendando o esquema, e sobre aqueles que, no fim, desmancharam todo o trabalho. Se ao menos isso for preservado, já não será pouca coisa.

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