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Editorial

Toffoli, a Lava Jato e a coerência no erro

O ministro Dias Toffoli, durante sessão da Segunda Turma do STF. (Foto: Gustavo Moreno/SCO/STF)

Do ministro Dias Toffoli, do STF, não se pode dizer que não seja um magistrado coerente. A coerência, no entanto, deixa de ser uma virtude e de merecer elogio quando se volta para o erro, e não mais para o bom, o justo ou o verdadeiro. Pois a última decisão monocrática de Toffoli no âmbito da Operação Lava Jato é exatamente uma demonstração dessa coerência que se transformou em obstinação no erro – erro, sim, mesmo na hipótese de ele crer que está fazendo o que é certo. Na terça-feira, dia 21, o ministro livrou o empreiteiro Marcelo Odebrecht de todos os processos e investigações que havia contra ele, e que agora se tornam nulos. A pessoa física Odebrecht se junta, agora, à pessoa jurídica que levava seu nome e agora se chama Novonor, já beneficiada também por Toffoli com a anulação de multas e todos os atos ligados aos acordos de leniência firmados pela empresa.

Uma decisão que podemos chamar de “coerente” com a prática recente do ministro, porque repete todos os absurdos que Toffoli, o ex-advogado do PT indicado ao STF por Lula em 2009, vem cometendo em seu esforço para reescrever a história da Lava Jato. Equívocos que começam pelo próprio fato de pesar sobre este ministro uma suspeição que é, no mínimo, de caráter moral, isso se não existir também do ponto de vista legal. Afinal, Toffoli apareceu na colaboração premiada de Marcelo Odebrecht, identificado como o “amigo do amigo de meu pai” – os três personagens que compõem o apelido seriam, respectivamente, Toffoli, Lula e Emílio Odebrecht, pai de Marcelo. Suspeições, no entanto, certamente não estão na ordem do dia para quem já chegou a anular uma multa milionária de outra empresa, a J&F, que tem entre seus advogados a própria esposa de Toffoli.

Toffoli insiste em transformar a Lava Jato em uma enorme conspiração entre magistrados e membros do Ministério Público com objetivos políticos. O que o ministro do STF faz é a inversão pura e simples da realidade

Toffoli também insiste no erro ao embasar sua decisão nos supostos diálogos que compuseram o circo midiático da Vaza Jato. Mesmo aceitando que a prova obtida ilegalmente possa ser usada em um processo quando beneficia o réu, há razões de sobra para tais supostos diálogos serem irrelevantes do ponto de vista jurídico, a começar pelo fato de sua autenticidade jamais ter sido comprovada, mesmo após perícias da Polícia Federal; e de, mesmo no caso de o conteúdo ser verdadeiro, não haver ali indícios de irregularidade, muito menos de conluio. Importa, aqui, recordar o que, em 2019, afirmou o então corregedor nacional do Ministério Público, Orlando Rochadel, ao arquivar uma reclamação contra Deltan Dallagnol. “Não se identifica articulação para combinar argumentos, conteúdo de peças ou antecipação de juízo ou resultado”, afirmou ele à época – e o Conselho Nacional do Ministério Público, é bom lembrar, jamais foi um órgão simpático a Dallagnol, muito pelo contrário.

Por fim, o ministro ainda agride o bom senso e a lógica ao manter os benefícios concedidos a Marcelo Odebrecht em seu acordo de delação premiada, assim como mantivera os da Novonor quando anulou as multas ligadas ao acordo de leniência firmado com o MPF. Acaba-se o ônus, restando apenas o bônus – que, ninguém ignora, foi o real motivo que levou tanto o indivíduo Marcelo Odebrecht quanto sua empreiteira a colaborar com a Justiça em vez de seguir negando tudo e enfrentar os tribunais em busca da absolvição, confiando na enorme expertise de sua equipe de advogados. Pois Toffoli também voltou a insistir na estapafúrdia teoria da “coação”, que, como já afirmamos neste espaço, exige um nível de “suspensão da descrença” que não se pede nem mesmo aos fãs de filmes de ficção científica ou leitores de obras de realismo fantástico.

Toffoli insiste em transformar a Lava Jato em uma enorme conspiração entre magistrados e membros do Ministério Público com objetivos políticos – alijar a esquerda do poder e alavancar futuras pretensões eleitorais dos agentes da lei – que, para serem atingidos, exigiriam uma série de ações ilegais que violariam o devido processo legal. O que o ministro do STF faz é a inversão pura e simples da realidade. Pois houve, de fato, conluio: entre o PT, seus partidos aliados e empreiteiras amigas. Tal conluio tinha, sim, objetivos políticos – perpetuar o projeto político petista, alijando seus adversários de qualquer chance razoável de chegar ao poder. E, para que o objetivo fosse atingido, foram cometidos inúmeros crimes de corrupção, pilhando as estatais – tudo devidamente comprovado e confessado. Mas Toffoli quer fazer um país inteiro crer que tudo isso jamais aconteceu.

A tentativa de impor uma realidade paralela em que os bandidos são vítimas inocentes, e os responsáveis por investigar e punir os corruptos é que são os bandidos, não pode prosperar. Certamente não prosperará entre os brasileiros que não tenham diante de si antolhos ideológicos que os impeçam de ver a verdade, mas isso não basta. O plenário do Supremo ainda não avaliou nenhuma das decisões de Dias Toffoli, apesar dos recursos já apresentados à corte pela Procuradoria-Geral da República. Cabe aos demais ministros decidir se freiam o revisionismo negacionista de seu colega ou se aderem a ele.

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