Uma decisão liminar que já completou nove meses sem a devida análise por parte do plenário do Supremo Tribunal Federal continua causando um enorme estrago ao bom combate à corrupção promovido pela Operação Lava Jato. Em setembro do ano passado, o ministro Dias Toffoli, monocraticamente, anulou todos os atos ligados a acordos de leniência firmados pela Novonor, antiga Odebrecht, e inutilizou provas fornecidas pela empresa. Com isso, era questão de tempo para que todos os réus que haviam sido condenados ou estivessem sendo julgados com base neste conjunto probatório pleiteassem algum tipo de benefício. É o que acaba de acontecer com o marqueteiro João Santana e sua esposa, Mônica Moura: as três ações penais que correm contra o casal na Justiça Eleitoral do Distrito Federal não poderão usar as provas fornecidas pela Odebrecht.
Santana e Mônica confessaram o recebimento de dinheiro do chamado “Setor de Operações Estruturadas” (o nome elegante para o departamento de propina) da Odebrecht, em contas no Brasil e no exterior, como pagamento pelo trabalho em campanhas do PT – Santana foi o marqueteiro de Lula em 2006 e de Dilma Rousseff em 2010 e 2014. Não apenas confessaram, mas também fizeram delação premiada homologada no STF, com pagamento de R$ 6 milhões e prevendo a devolução de outros US$ 21,6 milhões. Os dois foram condenados, em 2017, a 8 anos e 4 meses de prisão cada um por lavagem de dinheiro, mas essa e outras condenações foram posteriormente anuladas, com os processos sendo remetidos à Justiça Eleitoral.
Todas as liminares de Toffoli deveriam ser submetidas ao plenário da corte o quanto antes. No entanto, não é isso o que tem ocorrido
Especialmente absurdo é o fato de a decisão inicial de Toffoli – a que permitiu o efeito dominó do qual se beneficiam agora João Santana e Mônica Moura, e que antes deles já serviu para livrar outros protagonistas do petrolão, como Marcelo Odebrecht – ter sido tomada com base em argumentos esdrúxulos e afirmações equivocadas. A integridade dos sistemas Drousys e MyWebDay, que continham os dados de pagamento das propinas, havia sido atestada por perícia da Polícia Federal; além disso, as tratativas com as autoridades dos países onde estavam os servidores que armazenavam os sistemas haviam ocorrido em total conformidade com as regras brasileiras. E ainda hoje Toffoli insiste na surreal tese da “coação”, segundo a qual uma empreiteira capaz de contratar as melhores bancas de advogados do país teria sido chantageada para assinar um acordo de leniência que lhe traria uma série de vantagens em troca da cooperação com as investigações.
Diante do enorme estrago causado ao combate à corrupção por um único ministro do STF, impõe-se a constatação óbvia de que todas essas liminares deveriam ser submetidas ao plenário da corte o quanto antes. No entanto, não é isso o que tem ocorrido, e as regras regimentais jogam a favor de Toffoli, que, na qualidade de relator das ações, pode ou não liberá-las para julgamento. Na única ocasião em que isso ocorreu até agora, o recurso da Procuradoria-Geral da República contra a anulação das provas da Odebrecht teve o julgamento interrompido pelo ministro André Mendonça, que relata uma ação mais abrangente sobre os acordos da Lava Jato com as empresas envolvidas no petrolão.
Esta, no entanto, é uma situação que não pode perdurar por muito mais tempo. A demora é conveniente para outros ministros que também são pródigos em termos de decisões liminares em outras áreas, mas o Brasil tem o direito de saber se os demais membros do STF concordam com o festival de impunidade que se desenha com a anulação das provas da Odebrecht. Ao menos um deles – Gilmar Mendes, o mais falante dos críticos da Lava Jato no Supremo – já adiantou que votará com Toffoli, e algumas votações anteriores envolvendo a Lava Jato podem até dar pistas sobre o posicionamento dos ministros neste caso específico. Uma suprema corte que é um colegiado de 11 membros não pode conviver com decisões monocráticas que se eternizam – nem neste, nem em nenhum outro assunto.