O espanto foi geral quando, na semana passada, o então demissionário comandante da Polícia Militar do Paraná coronel Marcos Schremeta fez a inusitada revelação de que, pessoalmente, mantém antigas e amistosas relações com os chefões do jogo do bicho no Paraná. As ligações com a contravenção vêm desde os tempos em que o pai do coronel, já falecido, atuava como agente lotérico – fator que, no entanto, segundo Schremeta, não o impediu de atuar contra o jogo ilegal nos 11 meses em que esteve à frente da corporação.

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Não se pode desmentir totalmente a afirmação do coronel. De fato, ao longo do seu período no comando foram noticiadas algumas operações policiais que flagraram fortalezas do jogo em funcionamento, prenderam envolvidos e apreenderam máquinas caça-níqueis, valores e outros materiais que evidenciavam a prática da contravenção. Não significa que tal atuação configure, porém, um álibi perfeito para inocentar o coronel da suspeita de que suas relações pessoais com contraventores influenciavam o desempenho da PM no combate ao jogo.

Não se pode proibir ou impedir alguém de manter amizade com quem que seja. O que não é correto acontecer é dar a uma pessoa próxima (embora não participante) de agentes de uma atividade ilegal um cargo em cujas atribuições está justamente a de reprimi-los. Como nunca foram desconhecidas as históricas ligações do coronel Schremeta com essa facção do submundo, é espantoso o governo estadual constatar somente agora que fizera uma má escolha ao elevá-lo à condição de comandante da Polícia Militar. Talvez por esse motivo, o governo não tenha alegado que o afastamento se dera por tal razão, preferindo atribuí-lo a uma decisão de ordem exclusivamente pessoal e familiar do coronel.

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Por outro lado, o episódio da exoneração, que até agora só serviu para aprofundar a insatisfação da comunidade militar em relação ao governo, presta-se a outra reflexão: teria sido apenas sob a chefia de Schremeta que as autoridades da segurança pública do Paraná deixaram de fiscalizar e atuar com rigor contra o jogo do bicho? Não nos parece. Logo, é de se supor que há muito tempo se pratica no estado uma política de tolerância em relação à contravenção. A hipocrisia de algumas ações policiais de faz de conta logo se evidencia com facilidade: quase em cada esquina funciona às claras uma banca de coleta de apostas zoológicas.

Tal tolerância tem consequências graves. A primeira delas é a de que se trata de uma perigosa abertura de portas para a corrupção no seio das polícias. As demais são decorrentes: na medida em que as autoridades fecham os olhos para algo que a lei manda combater, que esperar da sua atuação diante de todos os demais delitos, sejam eles pequenos ou grandes, leves ou graves, que interferem negativamente na vida social? E que crédito pode a sociedade conceder aos organismos de segurança que deveriam enfrentá-los?