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editorial

Transparência ameaçada

Ao retirar da internet informações sobre gastos de deputados, a Assembleia Legislativa continua a reverter a moralização iniciada anos atrás

Uma velha e insolúvel questão foi sintetizada na Antiguidade em uma frase famosa, atribuída ao poeta romano Juvenal. Quis custodiet ipsos custodes?, que pode ser traduzida como "quem fiscaliza o fiscal?", vem-nos à mente com frequência, especialmente quando de denúncias de envolvimento de fiscais – seja das fazendas públicas, do trânsito ou de quaisquer outros serviços de interesse social – em casos de vistas grossas em troca de generosas propinas que os fiscalizados se dispõem a pagar. Salvo raríssimos flagrantes, geralmente armados pelas próprias vítimas dos achaques, pouco se sabe a respeito do tamanho deste tipo comum de corrupção perpetrado por agentes públicos cuja missão é justamente a de zelar pelo fiel cumprimento das leis.

Diante da impossibilidade prática de criar sucessiva e indefinidamente um fiscal para cada fiscal, leis recentes sabiamente delegaram este trabalho à sociedade. A partir delas, todas as repartições, de todas as esferas e instâncias, foram obrigadas a dar publicidade de todos os atos que impliquem em gastos para o erário. Graças à Lei da Transparência, todo cidadão, ao acessar as páginas oficiais disponíveis na internet, torna-se teoricamente capaz de verificar para onde vai o dinheiro dos impostos que paga.

Outra elogiável iniciativa legislativa foi a criação da Lei de Acesso à Informação. Por ela, bastaria um simples requerimento assinado por qualquer cidadão para que o ente público se visse na obrigação de fornecer todas as informações solicitadas – com exceção das classificadas como confidenciais – em no máximo 30 dias. A edição da lei foi festejada como um avanço extraordinário da democracia e da cidadania brasileiras.

De leis que dão à sociedade poderes de fiscalização o país parece bem servido. O problema reside no fato de que aqueles que a elas devem se submeter fazem de tudo para escapar de suas determinações. Ainda agora, para citar exemplo de que a Gazeta do Povo se ocupou dia destes, a Assembleia Legislativa – que se diz a mais transparente de todas – retirou de seu site, sem maiores explicações, informações sobre gastos dos parlamentares – sabidamente exagerados no consumo de combustíveis e alimentação. O Legislativo paranaense, assim, deu mais um passo na direção de reverter o saudável processo de moralização que tinha sido iniciado após as denúncias dos Diários Secretos.

Quanto à Lei de Acesso à Informação, ela já está prestes a se transformar em letra morta: ou os órgãos demandados simplesmente não respondem aos requerimentos, ou o fazem parcialmente – ou, pior ainda, encontram brechas jurídicas para negar as informações solicitadas.

Constatações como essas levam alguns setores da sociedade à tentação de recorrer à solução segundo a qual fiscais e fiscalizados precisam de mais um fiscal. É o que preconiza uma proposta de emenda à Constituição Estadual (PEC) que representantes de diversos órgãos públicos de controle e entidades da sociedade civil entregaram à apreciação da Assembleia Legislativa. Segundo a PEC, todos os poderes estaduais, incluindo o Ministério Público – órgão instituído exatamente com a função de representar a sociedade na fiscalização de todos os poderes do estado – devem instituir, cada um deles, uma Secretaria da Transparência para analisar todos os gastos efetuados e dar publicidade aos atos que impliquem despesas. O titular das secretarias seria indicado por conselhos formados por representantes do Executivo, Legislativo e Judiciário, reitores de universidades e advogados indicados pela OAB, entre outros profissionais.

Propostas que aumentem a transparência são bem-vindas, e é louvável que a PEC também pretenda incluir na Constituição do Paraná a obrigatoriedade da publicidade dos atos que impliquem despesas (hoje prevista em lei). Mas é preciso levar em consideração que a estrutura das tais "secretarias de Transparência" precisará de instalações e pessoal, com consequente aumento de gastos públicos – que por sua vez precisam ser fiscalizados. Em uma época na qual o poder público deveria ser incentivado a gastar menos, e não mais, será preciso avaliar com sabedoria se o gasto adicional é realmente necessário.

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