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Editorial

Transparência pelos motivos certos

 | José Cruz/Agência Brasil
(Foto: José Cruz/Agência Brasil)

A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Carmen Lucia, se queixou, na última segunda-feira, dia 4, que apenas sete dos 27 Tribunais de Justiça haviam divulgado de forma completa as informações sobre os vencimentos de juízes e magistrados – apenas Amazonas, Espírito Santo, Minas Gerais, Roraima, Pará, Paraná e Pernambuco haviam cumprido a determinação dada em agosto pela ministra, que também é presidente do Conselho Nacional de Justiça. Ela ainda acrescentou que os outros 20 TJs teriam 48 horas para fornecer as informações, ou seus presidentes poderiam até ser acionados judicialmente.

No entanto, Carmen Lucia pediu pressa por razões que parecem diferir um pouco daquelas que o cidadão comum, pagador dos impostos que se convertem nos vencimentos dos magistrados, manifestaria. A presidente do STF escorregou para o corporativismo, dizendo que precisa logo dos dados “para mostrar que nem todo ‘extrateto’ é uma ilegalidade. Sem isso, fica difícil defender”, em referência à proibição constitucional de que um servidor público receba mais que o teto constitucional, correspondente à remuneração de um ministro do STF – a própria determinação de Carmen Lucia foi feita após as denúncias de que juízes em Mato Grosso estariam recebendo supersalários muito acima do limite constitucional.

Defender os pares de críticas que às vezes são infundadas é direito de Carmen Lucia, mas isso é o de menos

A presidente do Supremo argumentou que é possível, sim, a um magistrado receber um valor superior ao teto constitucional esporadicamente. O limite está determinado no inciso XI do artigo 37 da Constituição, mas o mesmo artigo, em seu parágrafo 11, esclarece que “não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste artigo, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei”. Isso significa que despesas extraordinárias podem ser reembolsadas pela corte correspondente sempre em caráter indenizatório: o magistrado apresenta o comprovante de gastos e recebe no contracheque o montante exato.

Isso nos remete a uma situação que há tempos não encontra solução satisfatória devido à teimosia de um único ministro do Supremo: falamos do auxílio-moradia aos magistrados, que só está sendo pago graças a uma liminar de Luiz Fux, que insiste em não liberar a ação para julgamento no plenário do STF. O auxílio-moradia poderia muito bem ser pago em caráter indenizatório: um magistrado que é transferido para outro município, sendo com isso obrigado a arcar com gastos de aluguel ou hospedagem, apresentaria mensalmente comprovante desses gastos e seria ressarcido. Mas não é o que acontece hoje; graças à liminar de Fux, desde setembro de 2014 todo juiz ou desembargador recebe um valor fixo de auxílio-moradia, ainda que trabalhe na mesma cidade onde tem imóvel em seu nome.

Nessas condições, já não se pode dizer que o auxílio-moradia configura uma verba indenizatória; ele se torna um acréscimo de caráter remuneratório aos vencimentos do magistrado e, mesmo que essa verba não coloque o magistrado acima do teto constitucional, seu pagamento desrespeita outro dispositivo da Carta Magna, o artigo 39: “o membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os ministros de Estado e os secretários estaduais e municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória”.

A ONG Contas Abertas estima em R$ 1,1 bilhão o gasto anual dos três poderes com auxílio-moradia, número que foi repetido recentemente pelo ministro do STF Gilmar Mendes – a concessão do benefício a juízes cria um efeito cascata que beneficia outras categorias, como conselheiros de Tribunais de Contas. É o tipo de informação que justifica a necessidade absoluta de transparência, não apenas no Judiciário. Defender os pares de críticas que às vezes são infundadas é direito de Carmen Lucia, mas isso é o de menos. Há motivos muito mais importantes para que a luz do sol – o melhor desinfetante, na frase clássica de Louis Brandeis, ele mesmo juiz de uma Suprema Corte, a norte-americana – ilumine os dados sobre os vencimentos dos agentes públicos.

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