Não se esperava outro resultado: a Assembleia Legislativa do Paraná aprovou nesta semana, por ampla maioria, o projeto de lei de autoria do Poder Judiciário que institui o pagamento de auxílio-moradia para os juízes e desembargadores do estado. A votação se deu em regime de urgência, com o plenário transformado em comissão geral dispositivo regimental que permite o trâmite de matérias sem o devido debate pelas comissões temáticas. É o que se chama de "tratoraço", estratagema pelo qual a maioria parlamentar fiel à orientação superior derrota os opositores sem lhes dar a devida oportunidade para exercer o contraditório e entre tais opositores neste caso, nunca custa lembrar, estavam a opinião pública e importantes instituições de representação da sociedade.
O texto original oriundo do Tribunal de Justiça foi mantido e nem sequer foram votadas emendas que restringiriam o alcance altamente genérico da proposta. Assim, segundo o entendimento de alguns deputados e mesmo juristas que examinaram a matéria, a proposta prestes a se tornar lei poderá permitir que todos os juízes, ainda que aposentados ou mesmo que residam em casa própria, passem a perceber um indefinido auxílio-moradia, pecúnia que, especula-se, seria fixada em cerca de R$ 4 mil mensais. Pior: a medida poderá ser aplicada retroativamente, de modo a proporcionar significativas "boladas" de atrasados aos seus beneficiários.
A Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), que mobilizou a categoria para pressionar a Assembleia Legislativa a dar agilidade na votação, defende a absoluta legalidade da proposta. Cita leis, jurisprudência, princípios como os de isonomia e de simetria, e a existência, em outros estados, de idêntico benefício. É difícil para a sociedade e para a opinião pública entender a complexa (e discutível) argumentação jurídica com que os juízes embasaram seu vitorioso pleito, mas a população sabe muito bem identificar iniciativas reprováveis do ponto de vista moral.
Imoral e imprudente. Imoral por se tratar, na verdade, de uma burla à legislação que fixa o teto salarial do funcionalismo público brasileiro. Apresentado como simples concessão de uma verba indenizatória isso é, como ressarcimento de despesas e, portanto, nem sequer sujeita à tributação , o benefício na prática consistirá em aumento salarial real para os magistrados, que passarão a perceber vencimentos acima do teto.
Imoral e também de duvidosa legalidade não só pela afronta ao artigo 39 da Constituição Federal, citado neste mesmo espaço anteontem, mas também quando se compara os presumíveis ganhos que terão os magistrados com o tratamento conceitual e constitucional que se dá aos salários pagos aos trabalhadores comuns. É do artigo 7.º da Constituição a definição de salário mínimo: "Direito dos trabalhadores (...) capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social (...)".
Está implícito, portanto, que salários pagos aos trabalhadores, de quaisquer categorias, devem suprir as "necessidades vitais básicas", nelas incluída a moradia. Ora, acrescentar aos proventos dos magistrados, já os maiores do país nos quadros do funcionalismo, verba acessória para custear sua própria moradia pode ser claramente entendido como uma ofensa a todos os demais trabalhadores, que sequer contam com a prerrogativa de legislar em causa própria, como é o caso que ora examinamos.
Imprudente também a iniciativa do Poder Judiciário (com a ajuda do Legislativo) por se saber que a concessão do auxílio-moradia é matéria sobre a qual o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem manifestado clara discordância esperemos que, a exemplo do que fez em outros estados, o CNJ consiga barrar o benefício aos magistrados paranaenses. Ademais, lembre-se de que tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda se debruçam sobre ações que litigam contra o privilégio, não havendo elas até agora transitado em julgado, quer favorecendo, quer proibindo a sua adoção.
Mais prudente, legal e moralmente aceitável seria aguardar as decisões finais e nunca buscar socorro em "tratoraços" para fazer valer privilégios duvidosos.
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