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Editorial

Tributação e justiça fiscal

(Foto: Bigstock)

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Há um assunto presente o tempo todo nas discussões políticas e econômicas, que está permanentemente em pauta no Congresso Nacional e serve de bandeira a políticos e candidatos: trata-se da reforma tributária. As propostas de reforma do caótico sistema tributário são várias e nunca saem da lista de projetos em tramitação no Legislativo federal. A reforma tributária e a justiça social são tão presentes nas discussões nacionais quanto são ignoradas as teorias sobre o que ambas vêm a ser. Não está sendo diferente neste momento, em especial por ser ano de eleições gerais estaduais e federais, com candidatos cuja bandeira é a eternamente propalada reforma tributária.

Para fins de análise, os tributos (impostos, contribuições e taxas) podem ser chamados simplesmente de “impostos” – os termos específicos se diferenciam apenas em função de sua lógica de incidência e de distribuição entre os três entes federativos: municípios, estados e União. Os tributos têm em comum o fato de serem instrumentos para extração compulsória de dinheiro da sociedade – pessoas físicas e pessoas jurídicas. De início, o problema pode ser colocado em duas perguntas: Por que deve haver impostos? E por que se defende tanto a reforma tributária no Brasil?

A reforma tributária e a justiça social são tão presentes nas discussões nacionais quanto são ignoradas as teorias sobre o que ambas vêm a ser

Quanto à primeira questão, é preciso retroceder muito no tempo. Em um dado momento, as famílias humanas passaram a viver no mesmo espaço a fim de promover trocas de bens e serviços e desenvolver o relacionamento social. Assim, surgiram as comunidades rudimentares, espécies de tribos, que mais tarde deram origem às cidades, que por sua vez passaram a ser afetadas por eventos que demandavam solução coletiva, como ataques por comunidades estrangeiras ou catástrofes naturais (tempestades, inundações, epidemias etc.). Para enfrentar os problemas coletivos, os membros da comunidade tinham de contribuir com os recursos requeridos pelos atos de solução, como o caso da formação de grupos de soldados para resistir aos ataques estrangeiros.

A organização de um exército treinado e alimentado para lutar em defesa da comunidade foi uma das primeiras experiências a exigir contribuição dos membros da comunidade, uma espécie rudimentar de imposto, que também devia sustentar os líderes e comandantes, ou seja, uma estrutura de governo. A existência e a ampliação dos impostos residem na evolução da história humana; aos poucos, houve a expansão das tarefas atribuídas a uma organização representante da coletividade, e nisso está a origem do Estado, do governo e da ciência política. Como consequência, Estado e governo se tornaram estruturas formadas por recursos materiais, recursos humanos, bens e serviços de manutenção e gastos de funcionamento.

Para operar as funções pertinentes ao aparelho estatal, surgiram duas classes: os políticos (dirigentes) e os funcionários públicos (executores operacionais) submetidos às regras do Estado e do governo, entre elas a apresentação do orçamento de gastos pelas estruturas montadas e o sistema de contribuições compulsórias feitas pelos membros da comunidade, ou seja, os impostos. O tamanho do Estado, suas funções, as regras de funcionamento e o formato para constituição do Estado e escolha dos governantes e dos funcionários é o que informa se um país é democrático (com eleições e regras feitas pelo povo, diretamente ou por seus representantes) ou ditatorial (em que o Estado e seus comandantes determinam tudo e obrigam o povo a obedecer sob pena de severa punição).

Os impostos se tornam necessários e são maiores ou menores conforme o tamanho do setor estatal e a extensão de suas funções e tarefas, mas também dependem de como o Estado e o governo, com seus três poderes, gastam o dinheiro que tomam da comunidade. O aparato estatal será tão mais caro e oneroso quanto mais for contaminado por ineficiência, desperdício, corrupção, benefícios e privilégios concedidos a seus operadores – políticos e funcionários. Esses vícios do aparelho de Estado e dos governos existem em grande escala no mundo inteiro, qualquer que seja a orientação ideológica, política e econômica adotada pelo país, razão por que é comum a carga tributária ser alta como porcentual do Produto Interno Bruto (PIB) na maioria dos 193 países reconhecidos pela Organização das Nações Unidos (ONU).

O Brasil tem um péssimo sistema de tributação e não tem conseguido mudanças que o transformem numa estrutura virtuosa e favorável ao desenvolvimento

Quanto à segunda pergunta, a reforma tributária somente é assunto permanente no Brasil por causa da alta carga tributária (34% do PIB, em termos efetivos arrecadados); do excessivo número de tributos (incluindo algumas taxas que vigoram somente em alguns estados, são 85 tributos); do excessivo número de leis e normas; das regas pouco claras e, ainda por cima, instáveis; da discordância quanto à distribuição entre os municípios, estados e União; da distorção econômica na incidência tributária (excessivos impostos indiretos e distorção na oneração segundo as classes sociais); e do elevado custo de obediência em relação ao PIB. Um caos tributário dessa magnitude tem efeitos óbvios: cria ônus e desestímulo à criação de empresas e negócios, freia o desenvolvimento econômico e dificulta a distribuição de renda, pois o sistema tributário brasileiro tem efeito distribuidor de renda ao inverso, isto é, transfere renda das classes baixas para as classes altas.

A tão falada “injustiça fiscal” começa com o custo do setor estatal e com a existência de remuneração, benefícios e privilégios na estrutura de recursos humanos (políticos e funcionários) nos três poderes bem acima dos equivalentes no setor privado, conforme já atestou o próprio Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada (Ipea), órgão do governo federal. Se a isso somar-se a injustiça fiscal resultante de todos os vícios já citados do sistema tributário, está explicado por que o Brasil tem um péssimo sistema de tributação e por que não tem conseguido mudanças que o transformem numa estrutura virtuosa e favorável ao desenvolvimento. Resumidamente, é por esses aspectos que o tema da reforma tributária não morre e assim vai continuar, mesmo porque, em algum momento, o Brasil terá de enfrentar o manicômio tributário no qual se transformou o sistema de extração de dinheiro da sociedade para financiar o setor estatal e seus governos.

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