Nesta quinta-feira, a atual presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, entrega o cargo ao sucessor, Dias Toffoli, que assume o cargo pelo rodízio no qual sempre assume o cargo o magistrado que está há mais tempo na corte sem ter sido presidente – até existe uma eleição, mas ela é meramente protocolar.
Cármen Lúcia, eleita em 2016, teve a missão de presidir a corte no que foi um dos biênios mais tumultuados da história recente do STF. Foi durante sua gestão, por exemplo, que Congresso e Supremo entraram em rota de colisão e estiveram a milímetros de uma guerra aberta, depois de decisões judiciais que afetaram o exercício do mandato parlamentar de senadores e deputados investigados ou réus em esquemas de corrupção, como Aécio Neves e Renan Calheiros. Cármen teve de atuar como bombeira pelo lado do Supremo, acalmando os ânimos dos colegas dispostos a interferir em prerrogativas de outros poderes e ajudando a costurar soluções que restaurassem a paz e a normalidade institucionais. No entanto, em outros momentos a ministra deu sua contribuição para o impasse, como quando manteve decisões judiciais que proibiam a posse de Cristiane Brasil à frente do Ministério do Trabalho.
A presidente do Supremo também teve de conduzir a corte em outros momentos de altíssima tensão, como quando a prisão do ex-presidente Lula aumentou a pressão para que o Supremo alterasse seu entendimento sobre o cumprimento da pena a partir de decisão em segunda instância. Cármen Lúcia se recusou a “fulanizar” o caso, limitando-se a colocar no plenário da corte os habeas corpus impetrados pela defesa do ex-presidente, mas negando-se a pautar as ADCs de relatoria de Marco Aurélio Mello. Cármen esteve do lado perdedor quando a corte aprovou o vergonhoso salvo-conduto em favor de Lula, em março deste ano, e deu o voto decisivo para negar o HC ao petista quando a análise foi retomada dias depois.
Toffoli preparou uma pauta bastante amena para suas primeiras semanas na presidência
Em questões administrativas, Cármen demonstrou responsabilidade quando, por duas vezes seguidas, demonstrou disposição de não solicitar reajuste nos vencimentos dos ministros, sabedora do aperto por que passam os cofres públicos e do efeito cascata que esse aumento teria. Sua posição prevaleceu em 2017, mas neste ano a pressão dos ministros foi mais forte e, no plenário, o pedido de reajuste foi aprovado, contra sua vontade.
A presidente da corte, no entanto, não conseguiu conter a tendência crescente dos ministros de enveredar pelo ativismo judicial em temas que claramente não competem à suprema corte e que vão da economia a questões de comportamento e respeito à dignidade humana. Mais recentemente, o país tem assistido à tentativa de legalizar o aborto no Brasil pela via judiciária, justamente por meio do Supremo Tribunal Federal. Em dezembro de 2016, quando o ministro Luís Roberto Barroso sequestrou o julgamento de um habeas corpus para tomar decisões sobre a constitucionalidade da proibição do aborto no Código Penal, Cármen Lúcia classificou a enorme reação popular a esse acinte como “até um pouco inesperada”.
Toffoli chegou ao Supremo cercado de controvérsia, dadas suas evidentes ligações com o petismo e a pouca relevância de sua carreira jurídica fora dos cargos de indicação política. Não se declarou impedido de votar no mensalão, mesmo tendo trabalhado para José Dirceu, e chegou a tirar da cartola um habeas corpus “de ofício” recentemente para livrar o petista da cadeia, onde ele cumpria pena pelo petrolão.
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Seja para desfazer a impressão de atuação partidária, seja porque o momento do país realmente desaconselha certos julgamentos, fato é que Toffoli preparou uma pauta bastante amena para suas primeiras semanas na presidência, cargo que lhe dá a prerrogativa de determinar o que será analisado pela corte nas sessões plenárias. A execução da pena a partir de condenação em segunda instância, por exemplo, deve ir ao plenário apenas no ano que vem.
O novo presidente também terá de trabalhar para reverter uma imagem negativa que a própria corte construiu ao longo dos últimos tempos, com os embates nada civilizados entre alguns de seus ministros, especialmente com as provocações e insultos proferidos por Gilmar Mendes contra vários colegas. Se as divergências de opinião e interpretação em temas jurídicos são bem-vindas e podem ser defendidas com firmeza, no caso de Mendes a questão já deixou o âmbito jurídico há muito tempo, assumindo contornos de enorme incivilidade.
Em um país há muito abalado por escândalos de corrupção envolvendo seus representantes eleitos, o povo acostumou-se a ver o Judiciário – e, especialmente, o Supremo Tribunal Federal – como uma espécie de “última reserva moral” da nação. Nem sempre, no entanto, a corte tem se colocado à altura. Recuperar essa imagem de referência, de um tribunal que atua como apaziguador social, firme no combate à corrupção, tomando decisões sensatas, sem interferências indevidas nos demais poderes, será um dos principais desafios de Dias Toffoli à frente do STF neste próximo biênio.
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